23 de set. de 2012

Capítulo 17

Cristal clear it becomes when I'm kissing you



Pov. Sophie



Bem, vamos encarar os fatos: esse acampamento não está nada como eu esperava.
E olha que eu não esperava muita coisa!
Quero dizer, é um acampamento. Mato. Árvores. Dormir no chão. Ursos.
Mas não posso eleger esse como o melhor fim de semana da minha vida. Começando com o insuportável do Luke e a cara-de-pau de Dan e de Julia. É difícil, sério.
Não vou comentar o fato de eu ter visto a morte de perto ontem à tarde no bendito — sinta a ironia — estudos de rochas. Não, é sério. Eu quase morri. Principalmente quando o meu pé traiçoeiro pisou em falso me levando a cair de bunda no chão, e ainda, bater em um galho idiota com a coxa na tentativa de me levantar.
As duas ainda doem, obrigada por perguntar.
Posso dizer com certeza que a melhor coisa que aconteceu nesse acampamento até agora foi descobrir o caso a la novela mexicana dos meus professores. Bem, me deixou melhor. E além do mais, quem iria imaginar? Uma história assim bem debaixo do meu nariz! E eu vou ganhar média alta em inglês.
E claro, não posso deixar de mencionar o SMS do Nate para a Julia. Ou a surra que ela deu na Stephy-Vaca.
Mas ainda assim, nada, nada, nada superava a tristeza em ter que dividir a barraca com Luke, e pior: ser obrigada a suportá-lo o dia todo.
E antes que me venha dizer “ah, fala sério, mas você beijou ele, bla bla bla”, eu serei obrigada a te cortar.
Aquilo foi um momento de fraqueza e carência.
E tenho dito.
Por que, vamos lá. Quantos meses tinha que eu não beijava ninguém? E convenhamos, a minha última tentativa de relacionamento com um rapaz foi bem frustrada. Bem mesmo.
Mas, certo, vou esquecer isso. O melhor a fazer, agora, com certeza, é esquecer e levar a minha vida numa boa.
Isso.
Por mais que fosse difícil enquanto eu estivesse aqui.
Mas é claro que alguém tinha de me tirar da minha profunda reflexão sobre tudo o que anda acontecendo. Já havia passado da hora do almoço e Julia tentava recuperar o sinal do celular — sinal esse, que ela havia conseguido manter por apenas três minutos. Arrumava qualquer coisa em minha mala quando alguém passou dizendo que a coordenadora queria ver todos.
Suspirei, passei as mãos pelo cabelo vermelho e saí, seguindo em direção a aglomeração. Mal havia chegado quando a vaca da coordenadora começou a falar — sim, tomei raiva dela desde que soube o que ela faz para o Sr. Marshwell e a Srta. Jones. Me processe se eu prefiro a professora legal à coordenadora estraga prazeres.
— Boa tarde, garotada! — disse ela com entusiasmo.
Não que ela fosse feia, por que não era. Apenas... bem, a Srta. Lilian é mais. Sinto muito.
E vamos lá, o “garotada” não convenceu ninguém. Até mesmo por que os meus colegas estavam desanimadérrimos em relação ao que quer que seja que faríamos hoje. O estudo das rochas já havia nos esgotado tarde passada, que diga eu. E além do mais, a comida deixava a desejar.
Apenas quem havia comido bem ali era Dan. Isso porque ele mais parece um processador de comida do que um ser humano.
— Aposto que estão curiosos para saber o que faremos hoje, não é?
Novamente, suspiros desanimados foram a retribuição para a animação dela.
Mas fala sério! Tudo o que queríamos era ir para a barraca e dormir até a hora de voltar para casa!
Ou, bem, ir para a cachoeira. Mas ela nunca deixaria isso acontecer. Primeiro, educação, depois diversão, bla bla bla.
— Bem, nós vamos fazer uma pequena competição — de repente os olhos dos meus colegas ganharam brilho. — Mas não uma competição convencional, de esportes ou algo assim. Vamos ver quem coleta mais amostras de plantas medicinais! — e foi assim que aquele brilho sumiu.
Um rapaz do segundo ano do qual eu não lembrava o nome levantou a mão.
— Não sei distinguir as plantas normais das medicinais — ele informou a coordenadora, que fez que sim com a cabeça.
— Exato. Por isso, antes de virmos para cá, eu trouxe alguns pequenos livros com gravuras e informações sobre as plantas medicinais que existem aqui — ela ainda mantinha o sorriso no rosto, e foi só aí que eu notei que havia uma caixa de papelão ao seu lado. — Nosso acampamento está suportando 61 pessoas, agora que a Srta. Stewart teve de se ausentar por conta do desentendimento com a Srta. Bynum. — Sorri de canto ao escutar isso. Soube que Stephy tinha exigido ir para a casa depois que o seu nariz começara a sangrar. Julia a xingou de fraca novamente, argumentando que havia apenas dado alguns tapas no rosto dela e ela nem havia sangrado na hora.
Tudo bem que os tapas foram bem fortes, segundo Juzy.
De qualquer forma, fazendo-se de vítima, ela foi embora para Nashville. Graças a Deus.
— A questão — continuou a coordenadora — é que eu tenho apenas 31 mini-livros. Por isso, a competição será feita em duplas.
Arregalei os olhos e gritei:
— DUPLAS?!
Veja bem, eu tive motivo para gritar. Simplesmente por que o destino me ama.
Adivinhem quem será a minha dupla.
— Sim, Srta. Farro. Duplas.
— E como serão divididas essas duplas? — quis saber, ainda com a sensação de que eu já sabia a resposta.
— Cada barraca suporta quatro alunos, é só dividir em duas duplas — esclareceu ela, me fazendo engolir em seco. — Com a exceção da barraca onde a Srta. Stewart se ausentou. As outras meninas farão um trio.
— Mas a minha barraca só suporta dois alunos!
— Uma dupla. — Ela me olhava como se eu fosse uma retardada mental e eu tentava digerir aquela notícia.
Evidente que eu seria obrigada a me juntar àquele garoto insuportável.
Olá, destino. Se você realmente existe, deixe-me lhe dizer uma coisa: você é um grandessíssimo filho da mãe. Obrigada.
Mesmo estando profundamente desapontada e triste — não discuta, eu estou —, não fiquei lá tão surpresa. Eu já esperava.
É só que, sério, eu gostaria de não ser obrigada a ficar perto dele todo tempo. Eu o odeio demais! Demais! E o simples respirar dele me irrita. Apenas queria não ficar estressada o dia todo.
— Então as duplas se juntem agora e façam uma fila única para receber os livrinhos — ela ordenou, e os alunos fizeram um grande alvoroço para se juntarem.
Apenas dei alguns passos para trás, afastando-me enquanto os alunos faziam a fila e falavam alto. Logo vi a figura alta e insuportável parando ao me lado, me olhando com tédio.
— Acredita, eu não queria isso também — ele disse depois de um suspiro irritado.
Rolei os olhos.
— Vamos logo pegar esses livros — e me dirigi para o fim da fila sem saber se ele me seguiria ou não.
Pude ver enquanto isso que Julia ria a bessa, acompanhada de Jenny e Kate.
Ok, ok. Ela ri enquanto eu tenho que aturar a pessoa mais irritante da face da terra. Não faz mal.
Mentira, faz mal sim.
Dan havia acabado de pegar o seu livro e andava ao lado de Doug, sua dupla. Passou por mim rapidamente sussurrando apenas para eu escutar, enquanto andava:
— Tente manter sua boca longe da dele durante a caçada — e saiu andando.
Sim. Faz muito mal.
— O que ele disse pra você? — notei que o bobo insuportável, vulgo Luke Davis, estava ao meu lado e viu que Dan sussurrara algo para mim.
— Nada — dei ombros.
— Não foi nada — ele bufou.
— Nada que lhe diga respeito, oras. Se ele falou pra mim não é para você saber — bufei também, farta.
Tem como ser mais irritante?
— Você não cansa de ser essa grossa imbecil? — ele me encarou, enquanto dava dois passos para frente, avançando na fila.
— Você não cansa de ser esse idiota debochado? — retruquei no mesmo tom, fazendo-o revirar os olhos.
— Te odeio, Farro — ele disse, virando o rosto para o lado para não em encarar. Ótimo assim.
— Também te odeio, Davis — respondi, avançando mais um pouco e mantendo o olhar em frente.
Logo chegamos ao começo da fila e a coordenadora me entregou o mini-livro. Saí da fila com Luke me seguindo.
— Deixa eu ver — bem, ele não pediu, ele praticamente ordenou que eu lhe entregasse o papel, tanto que tentou a todo o custo me tirar da mão antes que eu pudesse responder.
E havia o pequeno fato de que a resposta seria não.
— Pede direito — disse, tentando manter o papel longe de suas garras. Luke bufou e se jogou contra mim, arrancando o papel das minhas mãos.
Bufei e tentei pegar de volta, pulando e tentando alcançá-lo. Mas ele estava alto demais, por isso não consegui pegar o papel. Mas eu o atrapalhei, ah, se atrapalhei.
— Ei! Parem! — gritou a Srta. Jones, se aproximando e tirando o papel de Luke. Ela bufou e revirou os olhos. — Se eu quisesse trabalhar com crianças eu ia pra uma creche, vocês não acham? Será que dá pra agir sem infantilidade por pelo menos um dia?!
— Ele começou — me queixei.
— É mentira! — Luke pareceu ofendido.
— Sério mesmo que vocês passaram para o ensino médio? — ela rolou os olhos, entregando-me o papel.
Luke deu uma risadinha. Sério! Uma risadinha!
— Tentem trabalhar em conjunto, ok? Fiquei sabendo que o ganhador da competição vai ganhar um prêmio ou qualquer coisa assim.
Luke tirou o papel da minha mão.
— Desde que ela pare de ser idiota, por mim, beleza — ele disse ainda rindo para a professora. Parecia estar se divertindo!
E juro, se não fosse pela ilustre presença da Jones ali, eu lhe desceria um tapa na cara. Invés disso, apenas sibilei:
— Cale a boca — e revirei os olhos.
— Certo — ela suspirou, pronta para começar outro assunto, mas pareceu parar para dizer outra coisa. — A Angelina vai falar de novo.
Angelina... ah sim, o nome da coordenadora. Dooley. Angie Dooley.
— Agora, vão até as barracas para pegarem as mochilas e o que precisarem para o acampamento. Cinco minutos eu quero todo mundo aqui, para irmos para a mata.
Depois disso, eu fui até a barraca e enfiei tudo o que precisava na mochila de Luke — xingando-o, é claro, por isso. Ele fazia um comentário sarcástico a cada coisa que eu colocava em sua mochila. Mas ela era maior e levar duas seria perda de tempo.
Isso sem dizer que eu não estava nem um pouco a fim de carregar peso, desde a caminhada de ontem.
Por isso, eu o mandei lamber pregos apenas uma vez quando ele perguntou o porquê de levar um protetor solar.
Deus sabe o que aconteceria com a minha pele branca se não fosse pelo protetor solar.
Camarão Soph. É.
E pouco tempo depois, lá estávamos nós: eu, Luke e Lilian juntos as sessenta e tantas pessoas que iriam sair mata a dentro. Lilian se juntou a todos os professores e então, começamos a entrar.
Vou falar uma coisa: Eu detesto mato. Detesto!
As folhas roçavam na minha perna (perna, não coxa. Eu havia colocado um short maior desde o vexame de hoje de manhã. Julia ainda me paga) e eu tinha de tirar mosquitos da minha cara a toda hora. Já estávamos andando há alguns minutos, e eu apenas seguia Luke.
— Olha isso — começou Luke, de olho nas plantas e no papel. Enquanto eu tentava tirar os mosquitos do meu olho, ele examinava as folhas. Só aí notei que ele já estava com uma planta na mão. — É uma mirtácea, segundo esse papel.
— Hum — disse, sem entender muito. Peguei o papel de sua mão e vi que a gravura era quase idêntica a planta em sua mão. Olhei em volta e não vi ninguém.
Veja bem, eu estava apenas seguindo o Luke. É difícil andar quando tem sempre um galho na sua frente pra você tropeçar ou um mosquito procurando o seu globo ocular.
— Onde estão os outros?
— Há alguns metros daqui, não se preocupa — ele respondeu tranquilamente enquanto andava mais e olhava mais algumas folhas. — Tivemos que nos separar deles, mas eu sei onde a gente tá.
— Vamos nos juntar a todo mundo, Luke — falei, encarando-o. — Não estou a fim de me perder.
— Deixa de ser dramática — ele bufou e revirou os olhos. — Tá, vamos nos juntar aos outros, mas só por que aqui não tem nada mais do que mirtáceas.
— Você é muito insuportável — fiz que não com a cabeça, seguindo-o novamente.
Ainda atenta com as folhas que vinham a minha cara, notei que já estávamos andando há um tempo e ainda nada de ninguém.
— Meu, onde está todo mundo?
— Ali, não se preocupa — ele disse curto. Infelizmente eu tive a sensação de que ele não tinha certeza.
— Você não tem certeza, não é?
— Segundo os meus cálculos eles não podem ter saído de daqui a cinco metros — novamente, a mesma sensação me veio. Primeiro por que eu não confio totalmente em cálculos feitos de cabeça, segundo por que ele não se deu ao trabalho de me insultar por estar contradizendo a sua palavra.
— Não disse? — ele falou levemente aliviado, vendo uma aglomeração a frente. Estávamos, agora, numa espécie de trilha mal feita.
Suspirei aliviada também.
— Você não parecia ter certeza do que falava — retruquei, andando junto a ele. Luke me entregou o papel.
— Você é uma paranóica boba — ele revirou os olhos.
— Cala a boca, idiota — revirei os meus também.
— Pega — ele me entregou o livro. O mesmo pelo qual havíamos quase nos batido há pouco tempo. — Dá uma olhada e vê se acha algo parecido.
Enquanto caminhávamos na trilha — mesmo que há uns dez metros de distância —, eu prestava mais atenção nas árvores e raízes daquelas plantas, no meio daquele verde e daquele mato.
Luke estava do outro lado da trilha, eu sabia, fazendo a mesma coisa. Acho que de tanto olhar aquele papel ele sabia distinguir as plantas que precisaria.
Ele pode ser um insuportável idiota, mas tem uma boa memória.
Achei ter visto uma planta que havia uma raiz medicinal, então conferi no livro. Foliei-o algumas vezes, enquanto avançava para aquela planta.
Até que, sem querer, o meu pé se prendeu em uma raiz e eu fui jogada para frente.
Só não caí no chão por que os braços de alguém impediram.
— Dá pra você ser um pouco menos desastrada? Uma hora você vai quebrar a perna assim — ele disse, ainda segurando a minha cintura e as minhas coxas. Meus pés não alcançavam o chão.
— Me larga! — disse alto.
Então ele me largou.
E eu caí com tudo no chão, é claro.
— IDIOTA! — gritei, furiosa, levantando-me do chão e retirando a terra e as folhas de mim.
— É assim que você trata quem te segurou numa queda?
— VOCÊ ME DERRUBOU! — ainda estava com muita raiva. De verdade.
— Isso por que você foi uma menina má. Se tivesse sido mais educada, estaria sem hematomas ou dores na bunda agora.
— Eu. Odeio. Você. — Disse compassadamente, com a dicção perfeita.
— Eu também — ele respondeu com muita tranqüilidade, como se tivesse respondido a mais das simples perguntas.
— É sério, eu odeio você de verdade — e não estava mentindo.
Tudo certo, eu sempre fui propensa a acidentes, mas meu Deus! Não preciso de alguém que me faça acidentar. Já faço isso muito bem sozinha.
— Eu te odeio mais, você sabe — revirei os olhos e abaixei devagar, pegando uma raiz.
— Gramíneas — eu disse, retirando facilmente a raiz, depois de conferir no livro. Levantei-me e o encarei. — E eu odeio mais.
— Não odeia — ele fechou a cara, tirando o livro da minha mão junto com a raiz. Guardou a raiz na mochila e passou a andar um pouco mais, retirando uma folha qualquer de uma árvore. — Leguminosas. — Guardou-a na mochila. — E eu te odeio mais.
— Eu te odeio mais — arranquei o papel de sua mão e avancei mais um pouco para a mata, procurando outro tipo de planta que eu pudesse usar. Luke apenas me seguia, retirando as folhas e galhos de seu caminho.
Depois de olhar no livro, peguei outra planta e lhe entreguei com ferocidade.
— Gramíneas — disse com raiva.
Luke guardou-a na mochila com a mesma ferocidade e saiu na minha frente, com raiva, procurando por outro tipo de planta.
— Palmáceas — ele disse, mostrando-me a planta e me entregando o livro. Guardou-a na mochila.
Peguei o livro e analisei.
— Estúpido — comecei. — Não são palmáceas. É outro tipo de leguminosa.
— Claro que são palmáceas!
— Não são, retardado! — revirei os olhos, mostrando pra ele.
— Para de me xingar, idiota!
— Eu xingo se eu quiser!
— Vai a merda, Sophie.
— Vai você, oras.
— Eu odeio você — ele me encarou fortemente.
— Eu odeio mais! — disse mais alto, como se com a impostação da voz eu demonstrasse que o meu ódio era maior.
Luke saiu na minha frente, afastando todas as plantas dele, e pegando outra planta, para me mostrar. Fiz o mesmo, avançando mais.
Fizemos isso algumas vezes mais, sempre voltando a discussão de quem odiava mais quem.
— A gente saiu da trilha — ele disse, olhando em volta.
Não tinha percebido isso, mas, conforme andávamos procurando novas plantas, saímos da rota.
— Sabe voltar? — perguntei um tanto apavorada, rezando para que a resposta fosse sim.
Luke andou um pouco, deu a volta, olhou para todos os lugares.
— Não me lembro daqui, acho que não consigo.
Juro que nessa hora eu fiquei tonta, que precisei me segurar em algo para não cair.
— ACHA?! — gritei, assim que me senti melhor.
— O QUE VOCÊ QUERIA? — ele respondeu no mesmo tom. — FOI VOCÊ QUE SAIU DA TRILHA PRIMEIRO! EU SÓ SEGUI VOCÊ!
— MAS DEPOIS VOCÊ SAIU MAIS PRA PROCURAR AS MALDITAS LEGUMINOSAS!
— A gente tá perdido — ele disse, ainda com os olhos azuis com medo.
— E a culpa é sua!
— Minha?! — ele pareceu ofendido. — A CULPA É SUA!
— É SUA! — retruquei.
— É SUA, GAROTA INSUPORTÁVEL!
— SOCORRO! — comecei a gritar por ajuda. Ele me acompanhou.
Passamos a andar, enquanto gritávamos por ajuda. Mas parecia que quanto mais a gente andava, mais se afastava. O máximo que escutávamos era o som dos mosquitos e, de vez em quando, um pássaro.
Certo, hora de se apavorar.
Estou sozinha, na mata, com a pior das criaturas já feitas. Estou. Muito. Ferrada.
— Meu Deus, não acredito que estou perdido por sua causa... é sério, mano...
Eu já estava alterada. Irritada. E veja, ele está me testando.
— Nós estamos perdidos por sua causa — disse tentando parecer tranqüila. Minha garganta doía levemente pela intensidade dos gritos de socorro.
— Minha causa! — notei aí que ele estava um pouco mais alterado do que eu. Seus cabelos que estão sempre bagunçados estavam mais desgrenhados que o normal.
Aparentemente, a idéia de ficar perdido comigo o assustava muito.
Continuou falando:
— Tudo isso, Sophie, é por sua causa! — ele disse me olhando como um maluco. — Sua! Caramba, é sério, eu te odeio. Mesmo.
— Eu te odeio mais! — retruquei. — E quer saber? Vai se ferrar. De verdade, vai se ferrar. Eu não ligo se você acha que isso é minha culpa, e que se dane. Discutir com você não vai me fazer encontrar a trilha. Então continua falando merda, Luke, por que eu nem ligo mais. Se acha que é minha culpa o problema é seu, eu não estou nem aí. Se ferra.
Ele riu.
— Então você não está nem aí? — ele me olhou, enquanto ainda fazíamos o caminho de volta para achar a trilha. — Legal. Não estou nem aí também. Se ferra você, eu não preciso falar contigo.
— Ótimo — bufei.
— Ótimo.
Desde aí, passamos a não nos falar mais. Apenas andamos e andamos mais.
Era realmente terrível continuar ali, de verdade.
Andamos muito, mesmo. Gritávamos por socorro de vez em quando, mas minha voz já começava a falhar se eu a levantava. Minhas pernas doíam e eu estava quase pedindo para parar.
Mas não podia.
Se não achássemos a bendita trilha não havia como voltar. E eu não quero nem imaginar como isso aqui é a noite. Não quero mesmo.
— Sentiu isso? — ele dirigiu a palavra a mim pela primeira vez em quase duas horas.
Abri a boca para responder “não”, mas de repente senti algo molhado bater contra a minha bochecha.
— Chuva? — perguntei, e de repente senti mais gotas frias baterem contra o meu corpo.
— Parece que sim — ele suspirou. — É claro que não podia ficar melhor, não é?
— Não é nada não, mas é uma péssima hora para ironia. — Eu disse, andando mais rápido e procurando com os olhos algum lugar para me esconder da chuva.
— Olha só quem fala! — ele levantou a voz. As gotas grossas e frias estavam mais freqüentes. — Você que vive ironizando tudo!
— Mas eu nunca fiquei perdida com alguém que detestasse tanto! — falei alto também.
— Você fala como se eu gostasse muito de estar perdido contigo, né?
— Não falei nada — bufei. Estava cansada. — Eu só estou dizendo que você não precisa fazer piada da nossa situação. Caso não tenha notado, ela está bem feia.
— Eu sei que está — ele bufou também — especialmente por que é sua culpa.
— Vai a merda, Luke Davis, vá a merda, é sério. — Passei uma mão pelos cabelos.
A chuva começou a engrossar. O que era apenas uma garoa já havia se tornado algo bem forte.
— Não negou por que sabe que é — ele retirou um galho da sua frente para passar. — Sabe que é sua culpa de estarmos aqui, sabe que é insuportável e sabe que tudo é sempre por sua causa.
Então eu ri.
— Luke — eu parei de andar para o encarar. A chuva já nos havia molhado. Ainda bem que meu celular ficou no acampamento. — A única coisa que eu sei é que eu fui uma idiota sim, mas não foi por que vim pra cá, e sim por que me deixei ficar com você.
Daí ele riu. Sim, ele riu.
— Bem estranho, por que você pareceu gostar bastante, não é? — agora ele estava com raiva. Eu via isso. — Até suspirou quando eu toquei a sua cintura.
Continuei rindo.
— Mania — falei. — Eu fui idiota por que você é um idiota e não consegue superar o chute, então sai agarrando um monte de meninas. Não é isso, Luke? Eu vi você ficando com a colega do Dan!
— Eu fiquei com ela sim, mas não foi porque eu estava ficando com um monte!
— Ah, me poupe — bufei. Sério que ele queria que eu acreditasse que havia sido outra coisa? — Eu sei o que os garotos fazem e eu não os culpo por isso, caramba! Só me admira que você tenha me usado, logo eu, a pessoa que você mais odeia! E é por isso que eu te odeio mais! Por que você usa as pessoas!
— Uso?! — ele estava realmente irritado. — Eu não sou esse tipo de pessoa que você está dizendo! Usar? Por favor, Sophie, você acha que eu te usei?
— SIM, CARAMBA! — me exaltei. — ME USOU PARA SER MAIS UMA DAS SUAS! Sabe o quanto isso é revoltante, seu idiota?!
— Eu não usei ninguém! — ele gritou, enquanto a chuva já nos deixava encharcados. — Droga! Eu fui traído, inferno! Sabe o quanto isso dói, especialmente se você gostar da pessoa?! Eu fiquei com você eu não sei nem por que! Não foi por que eu queria ficar com um monte de meninas, sua imbecil!
— ENTÃO FOI POR QUÊ?! — gritei o mais alto que pude.
— EU NÃO SEI! — ele piscava freneticamente os olhos, talvez para evitar que a água entrasse em seus olhos. — EU NÃO SEI, INFERNO! EU ESTAVA MACHUCADO! AGORA DEPOIS DE TUDO O QUE EU PASSEI VOCÊ VEM DIZER QUE VOCÊ ESTÁ IRRITADA? VOCÊ ESTÁ IRRITADA SÓ POR QUE EU FIQUEI COM OUTRA MENINA, POR INSISTENCIA DO DAN, INCLUSIVE? — ele gritava tudo com muita raiva. — Você não sabe o que é ter motivos para se irritar.
Sou uma idiota.
Por que, de repente, eu senti lágrimas saírem dos meus olhos.
Ainda bem que estava chovendo.
— Eu sei o que é ter motivos para se irritar, Luke — disse calmamente. — Procurar uma pessoa para se declarar e ser ofendida é um deles. Se mudar pra um país desconhecido, deixando a única pessoa que você já amou na vida, é outro.
Ele se calou.
Continuei:
— Não aja como se fosse o único que tem sentimentos — agora eu tinha certeza que ele notou que eu estava chorando. Ele estava também, mesmo que muito pouco. — Não aja como se fosse o único que se machucou. E não me culpe por tudo de ruim que já aconteceu na sua vida, por que você sabe que não é bem assim.
Ele olhou para o lado, piscando mais. O barulho da chuva era intenso. Ficamos alguns segundos sem dizer nada, apenas digerindo essa última discussão.
Até que ele virou o olhar para mim outra vez.
— Eu ainda te odeio — e então ele deu um pequeno sorriso.
Não sei porque, mas eu sorri também.
— Eu te odeio mais.
Foi isso. De repente, depois disso, começamos a rir.
— Vamos achar essa trilha — ele se colocou na minha frente novamente, abrindo todos os galhos que tinham em seu caminho.
E depois que ele abriu, eu juro, tive a visão mais linda do universo. Meus olhos brilharam, eu tenho certeza.
Luke abriu mais o seu sorriso.
— Cachoeira! Estamos perto! — ele gritou. Suspirei de alívio. Aparentemente ele sabia voltar da cachoeira para o acampamento. Eu não sabia, certo, mas é porque ontem a tarde eu estava muito cansada e o caminho da cachoeira para o acampamento pareceu maior do que tudo.
Corremos pela chuva como duas crianças. Estávamos na altura da maior pedra da cachoeira. Na mesma altura da queda.
— Não acredito, estamos salvos — disse, aliviadíssima. Ele concordou.
Fomos andando em direção a uma pedra grande, dando uns cinco metros para a pedra da queda d’água. Até que de repente, dei um passo em falso. Não vi mais nada, apenas senti meu nariz e minha boca encherem de água. Me mexi para tentar sair, mas algo bateu contra a minha testa muito forte. Minhas pernas ficaram fracas, e começaram a dar câimbra, me impedindo totalmente de mexê-las. Eu estava engolindo muita água.
E foi aí que eu apaguei.


— Sophie! Sophie! Acorda, Sophie, abre os olhos, por favor... acorda, por favor, acorda...
Tossi.
Cuspi um monte de água, que veio de dentro. Minha cabeça doía muito, meus sentidos estavam opacos.
Então a minha visão se clareou devagar, e a primeira coisa que eu vi foi Luke, sem camiseta, me olhando com desespero. Não durou nada para o seu olhar se tornar felicidade. Ou alívio.
— Graças a Deus! Caramba, Sophie, você me deu o maior susto! Você está bem? Oh, meu Deus!
E então ele fez uma coisa inesperada. Meus sentidos ainda estavam confusos, mas eu estava lúcida o suficiente para achar estranho.
Ele me puxou do chão pelas axilas e me abraçou.
Não foi um abraço pequeno. Foi um baita abraço, daqueles bem fortes e compridos, do qual a pessoa não quer largar.
Também não posso dizer que achei ruim. Ele estava sem camisa, e eu não sou uma idiota.
Não completamente.
— Me desculpe — ele disse, após me pegar no colo e me recostar em uma rocha. Só agora vi que a chuva não caía em cima de mim. Ele nos havia colocado em uma espécie de caverna.
— Tudo bem — disse, mas minha voz saiu estranha. Senti minha cabeça doer mais e levei a mão a testa.
Gritei de dor quando o meu dedo atingiu o ferimento.
— Não toca — ele disse. — Você bateu em uma pedra quando caiu. Meu Deus! Sua boba desastrada! Você quase me matou de preocupação.
Sorri.
Sempre achei que meu jeito desastrado um dia me mataria. Só não contava que fosse tão cedo.
Bem, não foi dessa vez.
E bem, foi aí que caiu a ficha. Eu não havia morrido, mas não conseguia nadar. Eu havia acordado por que havia desmaiado. Minha cabeça doía por que eu havia batido a testa.
Luke estava sem camisa por que...
Bem, eu não sei por quê.
Mas os fatos levavam a uma pergunta maior: ele havia salvado a minha vida?!
— Você pulou e me tirou da água? — perguntei, olhando-o com mais convicção. Agora meus olhos funcionavam um tanto melhor.
Ele coçou a nuca e olhou para o lado.
— Bem, foi. — Ele disse. — Você escorregou e caiu, e então eu só pulei junto. Você engoliu um bocado de água e bateu a cabeça numa rocha pontuda filha de uma mãe. Ainda bem que eu fiz um curso de primeiros socorros ano passado.
— Você salvou a minha vida? — perguntei novamente, sem entender completamente.
— Como você tinha apagado lá dentro d’água, eu... acho que sim. — Luke coçou a nuca novamente.
Sorri.
— Obrigada — disse, ainda sorrindo.
— Você me assustou — ele sorriu também.
— Bem, me desculpe por isso. E obrigada por salvar a minha vida — apoiei as mãos no chão rochoso, pronta para me levantar. —, mas agora precisamos... — Quando fiz que ia me levantar, eu senti o mundo rodar.
Havia ficado tonta a ponto de quase cair de novo.
Luke me segurou.
— Não levante, Soph — disse, devagar.
Soph.
Sabe quanto tempo tem que ele não me chama assim?
O suficiente pra mexer comigo. Mesmo.
— Você bateu a cabeça muito forte — ele quase sussurrou, levantando minhas pernas do chão e se abaixando devagarzinho, me recostando devagar na mesma rocha. — Fica quietinha pra não se machucar mais, tá?
Senti meu corpo alcançar o chão, e Luke, ainda super cuidadoso, me pousar por inteira no chão rochoso.
Mas suas mãos não saíram das minhas costas.
Seus olhos estavam muito perto dos meus. Aqueles olhos azuis brilhavam como nunca, e seus traços faciais ainda estavam perfeitos.
Ele parecia querer sorrir.
Sua mão se levantou de minha cintura, fazendo o caminho para a minha bochecha. Aquele toque fez uma corrente elétrica passar pelo meu corpo. Me senti arrepiar por inteira.
Luke passou o polegar pela minha bochecha, fazendo um carinho. Fechei os olhos por alguns segundos apenas para sentir o toque.
Quando abri os olhos novamente, aquelas mesmas íris azuis brilhantes, estavam muito perto de mim. Sua boca, bem feita, vermelha e macia, estava a centímetros da minha. Seus cabelos, desgrenhados e molhados, caíam pela testa. Seu corpo inteiro estava com respingos de chuva e do mergulho que ele deu para me salvar.
Meu coração passou a pular dentro do peito, enquanto eu apenas o encarava. Mesmo que o barulho da chuva e da queda d’água fossem fortes, eu podia ouvir a sua respiração desregulada.
Eu sabia que ele queria o mesmo que eu ali, naquela hora.
Sua mão, que ainda fazia carinho no meu rosto, se abriu, agarrando a minha nuca também.
Então Luke se aproximou e acabou com a distância entre nossos lábios, me beijando.

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