23 de set. de 2012

Capítulo 25

Can't make my own decisions



Pov. Sophie



Gritei, deixando uma gargalhada sair tranquilamente ao ver aquela cena. Jenny, Max, Marie, Dan e Luke riam junto comigo, enquanto no palco, Nate e Julia faziam o cover mais cômico e fofo que a música Lucky, do Jason Mraz já teve.
Ainda não eram dez da noite, e na verdade, eu estava bem cansada. O dia no shopping foi exaustivo, e eu só queria curtir o resto do meu aniversário no meu quarto com o meu novo livro chorante. Meus planos foram brutalmente cortados por Julia e Jenny, que decidiram que todos nós deveríamos ir a uma pizzaria-karaokê. Então, obviamente, eu não pude escapar. Na verdade, nem sei se queria. Por mais que eu estivesse a ponto da exaustão, hoje é sábado! E eu posso dormir amanhã.
Só não contava que fossem chamar o Luke, que estava ao meu lado, gritando. Havia várias pessoas além de nós gritando e aplaudindo aqueles dois, afinal, era um sábado à noite e o lugar estava cheio. Mas acho que isso só deixou tudo mais engraçado.
— They don't know how long it takes (They don’t know how long it takes), waiting for a love like this (Eles não sabem quanto tempo leva, esperar um amor assim.) — Eles cantaram essa parte da música apenas em um microfone, e Nate colocou uma mecha do cabelo dela atrás de sua orelha, assumindo a segunda voz. Eu não conseguia controlar meus risos, e entre eles apenas conseguia gritar. Eles interpretavam a música completamente, dançando, fazendo expressões, cantando a música em duas vozes.
— Eles nasceram para isso! — Marie gritou para mim, e eu assenti com a cabeça.
Eles nasceram para fazer palhaçada, isso é um fato.
— Lucky I'm in love with my best friend, lucky to have been where I have been, lucky to be coming home again… 
Lucky we're in love in every way, lucky to have stayed where we have stayed, lucky to be coming home someday. (Sorte minha estar apaixonada pelo meu melhor amigo, sorte de ter estado onde eu estive, sorte de novamente voltar para casa... Sorte minha por estarmos apaixonados de todas as formas, sorte de ter ficado onde nós ficamos, sorte de voltar pra casa algum dia.) — eles cantaram o refrão de mãos dadas, olhando um para o outro, e fazendo uma palhaçada a cada palavra cantada. Todos ríamos enquanto, na tela grande atrás deles, a letra da música passava e uma pontuação era marcada. Passei os olhos pelo lugar e notei que até mesmo quem comia sossegado sentado a uma mesa, estava olhando e rindo de canto do que aqueles dois faziam.

Depois que a música acabou, eles agradeceram e todo — t-o-d-o — o lugar aplaudiu. Eles entregaram o microfone para o rapaz que controlava tudo e ficava no cantinho do palco, que também estava rindo um bocado. Pude ver que ele parabenizou os dois.
— Minha vez! — Max gritou, fazendo Jenny dar uma risada enquanto ele pulou em cima do palco, escolhendo uma de muitas musicas da lista. Logo começou a tocar Na Na Na, do My Chemical Romance.
E vou dizer uma coisa: Max não é um dos melhores cantores que eu já vi, é sério. Ele começou a pular de um modo estranho enquanto cantava... certo, cantava não é a palavra. Ele pulava enquanto gritava o início da música, fazendo com que meus ouvidos ressoassem e todos nós ríssemos mais uma vez. Dan começou a gritar piadinhas sobre a cara de pau dele, mas Max apenas continuava cantando.
E certo, ele não podia cantar tão mau. Deve estar fazendo graça.
E tudo bem, eu acho que nunca ri tanto na vida.
— Ei, garotos — eu me virei e encontrei a garçonete chamando-nos —, as pizzas de vocês já está na mesa.
— Ah, ok. Obrigado — foi Luke que respondeu, fazendo a mulher sorrir e sair dali.
Ele sorriu pra mim, e então começamos a avisar as pessoas que já podíamos comer. Dan, naturalmente, foi o primeiro a ir até a mesa. Avisei Jenny e Marie, e então, depois da imitação notável de Gerard Way que Max havia feito, todos nos sentamos à mesa, servindo-nos.
— Max não canta mal daquele jeito, ok?! — Jenny gritou entre nossas risadas, tomando um gole de guaraná logo depois. — Ele toca guitarra e muito bem! Só tava tirando onda.
— Mas Jenn, nem que eu quisesse eu conseguiria cantar mal daquele jeito! — Luke disse, fazendo com que nós ríssemos.
— É por que você não tem o talento — eu disse. — Quero dizer, é preciso de talento para cantar mal daquele jeito. Isso faz com que ele seja talentoso em conseguir não ter talento.
— Certo, repita — Nate disse, enquanto Max me encorajava. — Eu não entendi uma vírgula.
— Então é preciso ter talento para fingir não ter talento? — Luke se virou para mim.
— Basicamente.
— Vocês são muito complicados — Marie disse, fazendo que não com a cabeça.
— Mas Soph tem razão! — Max gritou. — Não ter talento faz de mim um rapaz talentoso em não ter um talento.
— Isso já tá me dando dor de cabeça — Julia se pronunciou. — Antes que vocês consigam dar um nó no meu cérebro, que tal a gente mudar de assunto?
— É, tipo, hoje minha maninha faz dezesseis anos! — Nate disse, comemorando e todos gritaram em animação. Senti meu rosto corar um bocado.
— Pois é! Red Soph tá ficando velha! — Dan disse, naturalmente, com a boca cheia.
De repente me lembrei do quanto isso irritava minha prima pouco antes de ela se apaixonar por ele. A verdade é que eles discutiam muito por isso até hoje.
— Ficar um ano mais velha me deu um carro, então, tô feliz — disse, sorrindo.
— Pelo jeito você tá gostando muito do seu aniversário, então — Julia disse. Fiz que sim com a cabeça, por estar comendo.
— Quem não gostaria? Ela passou o dia perante a minha presença! — Jenny disse, me fazendo rir.
— Desculpe, não foi a sua presença que fez meu dia especial — disse, sinalizando para fora, claramente falando do carro.
— Ah, legal — ela bufou, fingindo estar irritada. — Agora você vai trocar suas melhores amigas pelo carro idiota?
— Você não o achou nem um pouco idiota hoje à tarde quando ele te deu uma carona para casa. Então cale a boca. — Balancei o garfo, sorrindo logo depois de falar. Ela revirou os olhos e riu logo depois.
— Sophie tá se achando por que pode dirigir — Nate. — Deixa só eu fazer dezesseis. Aí o seu carrinho será nosso!
Olhei para ele, fuzilando-o com os olhos.
— Só se me matar antes — disse rapidamente, fazendo com que os outros rissem e soltassem piadinhas e comentários como Dan, que disse “oh, nossa. Red Soph do mal.”
— Acalme seus ânimos, Red Soph — Dan disse, após engolir sua comida. — Eu sei exatamente como fazer isso! Te falei que compus uma música especialmente para você?
Encarei-o com os olhos apertados.
— Não. — Arqueei uma sobrancelha.
— Se chama: Red Soph Is Doing Sixteen — tive de rir com isso, até que ele fingiu aquecer a garganta e começou a cantar: — Red Sooph, is doing sixteen... yeeear. Obrigado.
Gargalhei, puxando aplausos. Todos nós da mesa aplaudimos Dan, que agradecia.
— Você tem o dom, menino! — eu disse, passando Luke e batendo de leve em seu ombro.
— Eu sei — ele sorriu.
— Gente — Marie começou. — Sabe de uma coisa que eu notei? Apenas a aniversariante não cantou hoje!
— Eu também não cantei — Luke olhou para Marie, fingindo irritação. — Obrigado por me notar.
— Ah, desculpa! — ela levantou as mãos rapidamente. — Certo, então os dois fazem um dueto.
— Sim! — Julia juntou as mãos. — Dueto! Dueto! Vão lá cantar, os dois, vamos!
Olhei para Luke, que sorria. Ele fez que não discretamente com a cabeça.
— Não tô a fim de cantar, ok? Por que Nate e Julia não vão cantar outra música do Jason Mraz? — eu disse, sugerindo.
— Por que Nate e Julia não estão fazendo dezesseis anos — Max respondeu, olhando-me com desdém.
— Não é uma boa ideia — Luke disse.
— Vocês vão cantar — Julia disse, encarando-nos —, e vão cantar Hate That I Love You. — Ela terminou com um sorriso triunfante, tomando um gole do seu refri em seguida.
— Rihanna? — Luke disse, com os olhos arregalados.
— Hate That I Love You é perfeita pra vocês! — Nate disse com um entusiasmo maior do que o normal. Estranhei. Já havia bastante tempo que ele não utilizava esse tom comigo.
Então, de repente, olhando para aquele sorrisinho idiota, eu soube que ele sabia que Luke havia me presenteado no carro mais cedo.
— Não é, não — disse, bufando. — Talvez seja perfeita para Dan e Mary.
— Isso é — Luke concordou, engolindo um pedaço de pizza.
— Não é! — Julia gritou. — A música perfeita para Dan e Mary seria Hate The Way You Eat.
Dessa eu tive que rir. Eu e todos os outros daquela mesa.
Pessoas loucas.
— Eles tem razão, Daniel — Marie disse, olhando para o namorado. — Você é bem nojento.
— Mas você ainda está apaixonada por mim — ele sorriu.
Ela revirou os olhos.
— Não é por causa dos teus hábitos alimentares — disse.
— Claro que não, por que eu tenho inúmeras qualidades — disse ele. — Eu sou engraçado, lindo de morrer, estou no terceiro ano, beijo bem, eu sou...
— ...Muito modesto... — ela terminou, fazendo-o olhá-la com raiva, enquanto ela ria. — Humildade, Daniel.
— É, Daniel. — Luke disse, batendo em sua cabeça. — Humildade.
— É, Noah — Dan se virou para Luke, batendo em sua cabeça igualmente. — Vá cantar Hate That I Love You com a sua peguete.
Depois dessa, eu tive que me virar e bater na cabeça de Dan.
— Controle seu namorado, Mary — disse a Marie, e ela riu. — E eu não vou cantar nada.
— Nem eu — Luke disse, tranqüilo.
— Vocês vão — Jenny se meteu. — Nem que nós tenhamos que arrastar vocês para o palco.
— Eu duvido — eu disse.
E posso dizer que me arrependi de ter dito tal coisa. Pois foi depois disso que eles trocaram olhares suspeitos e pensar que não, eu estava no ombro de Dan, sendo levada a força para o palco.
Enquanto eu me debatia, pude ver que Nate, Max e Julia arrastavam Luke também. O resto da pizzaria devia estar achando que nós éramos malucos, mas sinceramente, duvido que eles ligassem. O rapaz que ficava no canto do palco parecia que ia pular de alegria.
Dan ainda me segurava pelas pernas quando eu vi uma Jennifer ir até o rapaz e pegar o microfone dele, indo até o meio do palco.
— Ei, galera! — ela disse, chamando a atenção de todo mundo. Como se isso já não estivesse acontecendo. — Que tal outro dueto?
As pessoas riram, provavelmente lembrando-se do que Nate e Julia fizeram pouco antes.
— Pois é — Jenny continuou —, os meus amigos ali, aqueles dois, se chamam Luke e Sophie. E eles não querem cantar. Vocês querem que eles cantem? Detalhe: eles cantam muito bem. — Algumas pessoas aplaudiram, encorajando Jenny. — Outro detalhe: é aniversário de Sophie! Então, vamos, gente, venham cantar. A platéia está pedindo — Jenny olhou para mim, enquanto eu a via de cabeça para baixo. Dan me colocou em cima do palco.
— Se tentar fugir, eu te pego, Red Soph — ele disse e depois piscou para mim.
Balancei meu cabelo, tentando arrumá-lo, e fechando a cara.
— Eu odeio todos vocês — disse, bem devagar, fazendo com que eles rissem. Luke ainda tentava sair dos braços de Nate e Max, mas não demorou nada e eles conseguiram trazê-lo até o palco, à força.
Parece que aquela pizzaria estava completamente lotada de sacanas, vou dizer. Por que assim que nós subimos, eles começaram a gritar para cantarmos. Passei a mão pela cara, vendo os dois meninos barrarem o palco, impedindo-nos de sair.
— Se não cantarem não vão sair daí! — Nate gritou e eu bufei, enquanto Jenny me dava um microfone. Luke já estava com os seus.
Então o playback da música da Rihanna começou a tocar. Eu realmente não gostava daquela música, e apenas sabia por que ela tocava em todo canto. Suspirei, enquanto algumas pessoas que já estavam em volta do palco começaram a gritar, junto aos meus amigos safados. Até as pessoas das mesas se levantavam e gritavam também.
Olhei para Luke e vi que ele encolheu os ombros e deu um sorriso, como se dissesse “já que é isso que eles querem...”
Sinceramente, não sei o que aconteceu com aquele Luke tímido que eu costumava conhecer. Mas sabe, seis meses é um bocado de tempo. Ele pode ter mudado.
Fiz que não com a cabeça e olhei para o telão, que mostrava o que eu deveria cantar. Eu não sabia a letra inteira, e se não olhasse, me perderia.
Então eu comecei:
— That's how much I love you… That's how much I need you… And I can't stand you… (Isso é o quanto eu te amo... Isso é o quanto eu preciso de você... E eu não suporto você.) — Olhei para Luke, que se aproximava de mim e agora fazia uma espécie de dança. — Must everything you do make me wanna smile, can I not like it for a while? (Tudo o que você faz, me faz querer sorrir, será que eu posso não gostar disso por um instante?) — Coincidentemente, eu cantei essa parte com um sorriso no rosto. Primeiro por que Dan tinha tirado Marie para dançar, e segundo por que Luke estava com uma expressão realmente engraçada.
Então ele começou a cantar a parte dele:
— No… but you won't let me. You upset me girl, then you kiss my lips. All of a sudden I forget that I was upset. Can't remember what you did. (Não... mas você não me deixa. Você me chateia, garota, e depois me beija meus lábios. De repente eu esqueço que estava chateado. Nem me lembro do que você fez.) — Ele chegou perto de mim, brincando apontando o dedo e depois mostrando seus próprios lábios. Tive de rir disso e me controlar em seguida, para cantar junto com ele: — But I hate it.. (Mas eu odeio isso...)
— You know exactly what to do, so that I can't stay mad at you… For too long, that's wrong. (Você sabe fazer exatamente o que fazer para que eu não fique brava por muito tempo, isso é errado.) — Ainda continuava olhando para o telão, para acertar o tempo da música, mas Luke apenas fazia que sim com a cabeça para a letra da música, para depois cantarmos juntos: — But I hate it... (Mas eu odeio isso...)
— You know exactly how to touch. So that I don't wanna fuss and fight no more, so I despise that I adore you. (Você sabe exatamente como me tocar, para que eu não queira mais discutir nem brigar. Então eu detesto te adorar). — Luke disse, apontando para mim e refazendo sua expressão engraçada. Eu ri, enquanto me preparava para o refrão.
— And I hate how much I love you, boy. I can't stand how much I need you. And I hate how much I love you, boy. But I just can't let you go… And I hate that I love you so… (E eu odeio o quanto eu te amo, garoto. Eu não suporto o quanto eu preciso de você. E eu odeio o quanto eu te amo, garoto. Mas eu simplesmente não posso te deixar... E eu odeio te amar tanto assim.)— Luke continuava com sua dancinha, e fazia a segunda voz para mim, enquanto me acompanhava. Pude notar que Julia e Nate eram, tipo, os reis da torcida. Eles gritavam e riam, balançavam as mãos e gritavam mais. Dançavam um bocado.
Luke continuava fazendo suas palhaçadas conforme a música ia passando, e eu até errei na segunda parte. Mas ninguém pareceu notar.
Também tentei passar deixar quieta a questão da letra da música, afinal. Ela era bem bonitinha, e pode até ter tido a ver comigo há um tempo. Mas ela realmente não se parecia comigo. Era mais a cara dos meus pais.
Ao fim da música, todos — t-o-d-o-s — gritaram e aplaudiram novamente. Dan dera um beijo em Marie e depois veio para frente, enquanto eu e Luke descíamos do palco.
— Vocês nasceram para isso. — Marie disse repetindo suas próprias palavras de um tempo atrás.
Bufei, e com um sorriso no rosto, a mandei ir para o inferno.


*****


Pov. Narrador


A garota de apenas vinte e um anos deixou seu corpo doído cair no colchão duro do quarto que havia alugado. Não conseguia por nada relaxar, e se perguntava se era por que sua vida estava uma verdadeira merda, ou por que o cheiro daquele lugar a impedia de dormir tranquilamente.
Praguejou a si mesma por pensar mal daquele lugar do qual ela já chamava de lar há pouco mais de seis meses. Não tinha o mínimo direito de odiar aquilo, afinal, ela estava com o aluguel do quarto atrasado. Dois meses, para ser exata. Mas ela sabia que, ruim o quão fosse, o lugar era mil vezes melhor do que o que ela vivia antes de ter independência.
Então ela decidiu odiar a si mesma, ao invés de odiar sua vida miserável, ou sua moradia miserável. Ela sentia muita raiva, isso era fato, mas essa raiva toda era praticamente dela própria. Sinceramente, aquela garota não imaginava que era possível alguém sentir tanta raiva de si mesmo como ela sentia.
E tirando a raiva dela mesma, havia também a raiva da mulher que havia lhe dado a luz. Esse era um grande ponto de raiva. O maior deles, se não for contar a raiva dela própria.
Fora tolice dela imaginar que sua vida melhoraria ali. Fora uma verdadeira tolice, por que tudo parecia apenas piorar para ela. Tudo sempre arranjava uma maneira de piorar para ela. Hoje, excepcionalmente, sua câmera profissional, a única coisa que ela havia de valor, seu único instrumento de trabalho, sua única paixão, havia quebrado. A garota já não conseguia com as suas fotos dinheiro o suficiente para se sustentar direito. Com muito esforço conseguia dinheiro para se alimentar e pagar as contas do quarto. O aluguel estava atrasado, por que ela não tinha dinheiro. E agora, então! E agora que sua câmera havia quebrado, o que seria dela?
Com isso, a sua raiva apenas aumentou. Estava tão perdida e ferrada que não conseguia mais fazer nada. A vida havia praticamente secado suas lágrimas, de tanto que chorara. Seus pulsos mostravam as cicatrizes de sua raiva, mas ela não queria se cortar outra vez, afinal, isso só lhe trazia mais problemas. Também não queria se drogar. Mesmo se tivesse dinheiro para isso, a sensação não era tão boa. Tirava-lhe das preocupações, mas não do ódio. O ódio continuava lá.
Escutou as batidas insistentes na porta e levou as mãos aos ouvidos, sentindo a cabeça latejar de dor. Ela sabia quem era. Era a dona da pensão, cobrando seu aluguel. A garota não culpava a pobre Sra. Turner. Ela merecia receber, afinal, sustentava os filhos com o dinheiro do aluguel de seus quartos, que pertencia ao casarão que seu falecido marido tinha.
A velha continuava batendo.
— Srta. Faith! Eu sei que você está aí! — ela gritou e a garota afundou seu rosto no travesseiro cheio de ácaros. A mulher continuara a gritar: — Eu preciso do meu dinheiro, Srta. Faith! Eu sei que está aí, eu a vi subindo!
A garota continuou imóvel, torcendo para que a mulher pensasse que ela não estava ali e sumisse. Já estava realmente ferrada, e queria realmente ter um teto para dormir por essa noite.
— Você tem duas semanas! — a mulher gritou. — Ou me paga em duas semanas, ou será despejada, está me ouvindo? Eu sei que você está aí, Srta. Faith! Está ouvindo? Duas semanas!
Então a garota ouviu os passos da pobre mulher gorda e mal-humorada se afastando.
Novamente, não a culpou. A garota apostava que a mulher tinha motivos o suficiente para ser do jeito que era. Na verdade, até mesmo a invejava. Afinal, mesmo que ela tivesse perdido seu marido, pelo menos ela tinha alguém que realmente a amava. Seu marido falecido; seus filhos, sustentados por dinheiro de aluguel; sua mãe.
Então, novamente, a garota se puniu mentalmente por pensar aquilo. Já estava decidida que não tinha direito de sentir inveja dela, ou de ninguém. Sua vida já era verdadeiramente ruim. Compará-la seria bobagem.
Por que mesmo que a garota se considerasse uma inútil, uma burra, uma drogada de merda, renegada pela sua própria mãe e pelo resto do mundo, ela sabia que era um pouco justa. Aprendera a não se colocar na frente de ninguém — absolutamente ninguém — como... sua mãe fazia. Colocara na cabeça que pessoas são felizes... e outras, simplesmente, não são.
Mas sua tentativa frustrada de suicídio lhe mostrou que morrer não era realmente a melhor solução para sua infelicidade. Na verdade, ela não acreditava que iria para o céu ou alguma coisa assim. E mesmo não acreditando em inferno — ou em Deus —, ela sabia que o lugar que se destinaria caso se matasse não seria nada bom. E se via muito na televisão que quando a pessoa morre, a alma dela não faz o mesmo. E se sua alma continuasse viva, tudo continuaria na mesma merda. Então não valia a pena arriscar.
Não, a garota não devia se matar. Ou se cortar. Ou se drogar.
Sua única solução era continuar respirando. Continuar vivendo. Continuar no mesmo mundo de merda, tentando sustentar a si própria e achar um quartinho nojento qualquer para dormir. Sem deixar que ninguém, além dela própria, se prejudique.
Até mesmo por que ninguém merecia nada do que ela passava e já havia passado.



[...]



Julia agradeceu Sophie pela carona e depois que o carro se foi, ela procurou as chaves da casa na mochila. Após alguns segundos árduos, sentindo o sol daquela tarde de quarta-feira quase cegar-lhe os olhos, ela finalmente achou as chaves e as enfiou na fechadura, mas elas não rodaram. Julia praguejou ao abrir a porta que não estava trancada.
Foi até a sala, procurando sua mãe ou seu pai, que estariam em casa já que a mesma estava aberta, mas não encontrou nenhum dos dois. A casa estava vazia, ou pelo menos a parte de baixo estava assim. Ela subiu as escadas rapidamente e passou pelo quarto dos pais, que estava igualmente deserto. Será que deixaram a casa aberta?, ela pensou, seguindo em direção ao seu quarto.
Mas tirou rapidamente essa ideia da cabeça quando o adentrou. Oh, Jason estava em casa. Sentado em sua cama. Esperando-a com a mais carrancuda das faces.
De repente Julia sentiu um pouco de medo, mesmo que não tivesse feito nada de errado.
— Onde você estava? — ele disse, com voz sombria.
— Na casa da Soph, eu disse que iria terminar meu dever de biologia lá — ela disse, achando estranho, e jogando a mochila de qualquer jeito no puff. — O que é isso na sua mão?
Julia notou que seu pai segurava alguma espécie de caderno. Então ele o levantou, e ela abriu a boca imediatamente, gritando e indo para cima do pai.
— VOCÊ LEU O MEU DIÁRIO?! — ela gritou, retirando-o da mão de Jason.
— Abaixe o tom quando falar comigo! — ele revidou.
— Você invadiu a minha privacidade!— ela disse, abrindo seu diário, e apertando-o contra o corpo logo em seguida.
— Eu precisei, não foi? — Jason continuava com a voz fria. — Você parou de me contar as coisas, aparentemente.
— Isso não te dá o direito de invadir-
— Eu sou o seu pai e tenho todo o direito sobre você — ele interrompeu. — Enquanto você for menor de idade, quem manda em você sou eu!
— Você é o meu pai, não o meu dono! — Julia aumentou a voz.
— O que eu te falei sobre tom? — ele a encarou, e logo após, deixou um suspiro escapar. — O que está acontecendo com você, Julia? Onde está aquela garotinha na qual eu podia confiar totalmente?
— Talvez ela tenha crescido — Julia virou as costas, pronta para sair.
— Pode tratar de voltar! — ele gritou e Julia parou, dando meia volta e encarando o pai que havia se levantado de sua cama.
— Certo — ela disse, irritada. — Pronto.
— Você parece que esqueceu quem é a autoridade aqui — ele disse, voltando-se a ela. — E sinceramente, eu não tenho mais confiança em você.
Com a última frase, Julia teve de lutar para segurar o choro.
Jason havia lido o diário. Ela sabia exatamente o que havia feito com que ele não confiasse mais nela.
— Não fiz nada de tão errado para você me tratar assim — ela disse, lutando-se para manter-se forte e encará-lo.
— Oh, não? — ele disse. — E quando você pretendia me contar que fez sexo com o seu namoradinho?
— Ele é muito mais do que o meu namoradinho, não fala assim!
— Muito mais! O que mais, Julia?!
— Ele é o único cara que eu amei e vou amar, pai — agora, ela estava chorando. — Ele é meu melhor amigo, meu companheiro, meu confidente e meu namorado! Eu o amo demais! E sinceramente, não vejo problema nenhum em ter relações com quem se ama. Você não me disse sempre para seguir o meu coração? Foi o que eu fiz!
— Você não sabe o que é o amor de verdade, Julia! — ele gritou. — Você é uma criança!
— Quando você vai ver que eu não sou mais uma criança?!
— Quando você aparecer grávida, provavelmente — Jason a encarou e ela soluçou, pronta para gritar, mas ele interrompeu. — Não é esse o teu destino? Transando com o moleque na minha casa, debaixo do meu nariz, sem me contar nada?
— Eu não te contei por que eu sabia que você não iria saber lidar com isso!
— Vou te mostrar que eu sei muito bem lidar com isso — Jason se levantou. — Estou te proibindo de visitar o Nate, ou de deixar ele te visitar.
— Você não pode fazer isso!
— Posso e fiz — Jason bufou.
— A gente ainda vai se ver na escola! — ela gritou, soluçando.
— Não por muito tempo.
— O que você quer dizer com isso? — ela abaixou o tom, ainda deixando as lágrimas saírem.
Jason tirou uma papelada da cama e entregou a ela, que passou os olhos apenas pelas primeiras linhas e deixou as lágrimas saírem com mais intensidade.
— Se você acha que eu vou voltar para a Inglaterra, você tá maluco. — Ela teve a voz falha, e jogou os papéis de volta para a cama. — Maluco!
— Eu já estava pensando nisso — ele começou. — Agora eu estou totalmente convencido. Você vai pro colégio interno, vai terminar seu ensino médio lá e vai ter vaga garantida em Oxford ou Cambridge.
— Eu não ligo para Oxford ou Cambridge, e você também não! — ela gritou. — Você só quer me separar do meu namorado, o único cara que eu amo, e dos meus amigos! Você não liga para os meus sentimentos, droga!
— Eu ligo para o seu futuro — ele disse, aparentemente calmo. — E você também não liga para o seu pai, certo? Anda escondendo tudo de mim, não é? Agora me explique o porquê disso só ter acontecido depois que você começou a namorar aquele moleque?
— Eu não ando escondendo tudo de você! Você que parece implicar com o Nate desde que ele se declarou como meu namorado, pai! Tudo pra você é motivo de começar uma discussão!
— Tá vendo isso? Ele tá te dando mau exemplo, ele tá colocando coisa na sua cabeça e você está se transformando numa pessoa que você não é!
— Você está enganado! — ela gritou. As lágrimas continuavam a sair de seus olhos, sua garganta continuava se fechando e sua voz saía embargada. Mas ela não ligava mais. — Se tem uma pessoa que me dá um bom exemplo de relação com o pai, essa pessoa é o Nate! Você não sabe o jeito que ele é com o pai dele! Ele idolatra o pai dele! Eles dois têm a relação mais bonita que você já viu, e o próprio Nate sempre me diz para resolver as coisas com você, mas nunca dá! Por que você está sempre contra a tudo que eu faço! Então não diga como se ele tivesse me mudado, por que as coisas não são assim! O pai do Nate é um herói pra ele!
Jason deu uma risada.
— Eu convivi com o tal herói, Julia. Quer saber os heroísmos dele? — ele se virou pra ela, com a risada sarcástica ainda na face. — Ele era do tipo valentão na escola antes de eu chegar. Ele fez a mãe do Nate sofrer mais do que tudo por ser idiota o suficiente para não acreditar nela, por que ele não tem fé em ninguém, e eu tive de resolver as coisas. Foi pra guerra, deixando ela, a mãe do Nate, quase em depressão! E quem é que animou ela? Eu, eu animei! Ele matou pessoas naquele inferno de guerra. Voltou pro inferno dessa cidade e fez com que a Hayley largasse tudo e me traísse com ele. Ele jamais, Julia, jamais pode ser tomado como um exemplo! Por que ele é um canalha!
— Canalha ou não, ele realmente tá tendo mais do meu respeito do que você — ela disse baixo, levantando o rosto e limpando-o com as mãos. Jason sentiu a raiva tomar conta completamente de si com essa frase e se aproximou dela, levantando a mão, pronto para diferir um golpe. — Oh! Agora você vai me bater? — Julia gritou. — Você, que é completamente contra a violência, vai me bater, pai? Você que fala tanto do Sr. Farro vai me bater agora? Incrível, por que você fala muito mal dele, mas é você que tá me fazendo sofrer agora, não é? Além de não acreditar e não confiar em mim, você está me separando das pessoas que eu amo, quer me mandar pra um país completamente diferente e agora só por que ouviu o que não quer vai querer me bater? — ela disse, colocando tudo para fora. — Então vá em frente! Bate! Vamos ver se isso te faz mais responsável ou melhor do que o Josh! Ou o Nate!
Jason ainda sentia a raiva queimar dentro de si, mas recuou a mão.
— Pode procurar se despedir dos seus amiguinhos e do seu namoradinho — ele disse, baixo. — Você se muda ao fim desse semestre.
— Eu não vou voltar pra Londres — ela cerrou os dentes.
— Eu mando em você — foi o que Jason disse antes de fechar os punhos e sair do quarto da filha, batendo a porta.



[...]



— Com quem você falou tanto ao telefone? — Hayley perguntou quando Sophie colocou o telefone sem fio de volta no gancho.
Ela suspirou, sentando-se na poltrona à sua frente e afundando a cabeça nas mãos.
— Julia — respondeu num fio de voz.
Hayley se sentou em frente à filha, enquanto ela ainda deixava suas mãos envolverem seu rosto.
— O que houve com ela?
— Ela discutiu com o pai dela de novo — Sophie suspirou outra vez, sentando-se normalmente e encarando a mãe.
— Por causa do Nate?
— Sim — Sophie respondeu baixinho. — Só que dessa vez foi bem pior. Bem pior.
— Oh — Hayley exclamou, levando uma mão a boca. — Ele descobriu?
— Você sabe? — Sophie arqueou uma sobrancelha.
— Soube. Nate contou para o seu pai que contou para mim.
— Ah — fez Sophie. — Sim, ele descobriu... E ficou completamente descontrolado. Julia estava chorando quando me ligou, mãe — Sophie mordeu o lábio inferior, tentando impedir a tristeza de transbordar. — Eu nunca tinha visto ela chorar antes. Nunca, sabe? E... ele quer mandar ela pra um colégio interno em Londres.
— Isso é loucura! — Hayley disse um pouco mais alto, passando as mãos pelos cabelos.
— Eu sei — Sophie concordou. — Ela disse que não vai. Mas... ela tá com medo, mãe. Eu estou com medo. Não quero que ela vá embora por isso... ela é minha melhor amiga, e pensa no quanto ela vai sofrer sem o Nate...
— Não acredito que Jason está fazendo algo assim — Hayley suspirou, deixando seu rosto fazer a mesma expressão de tristeza da filha. — Ele está igualzinho naquela época...
— Que época? — Sophie perguntou.
— Bem... Quando Jason sente que não tem controle sobre algo, ou fica muito enciumado, ele... meio que se descontrola. Ele deixa de ser o Jason que todos conhecem e se torna uma pessoa fria e briguenta... Ele arranja uma discussão pra tudo.
— E como você lidava com isso?
— Só aconteceu uma vez comigo — ela umedeceu os lábios. — Foi quando o seu pai voltou e eu tive que promover a festa dele. Então ele... tentou me proibir de ver o Josh, me convencer a largar o emprego, chegou bêbado em casa mais de uma vez... E as discussões eram tão freqüentes que me enlouqueciam. Até o dia em que... Não deu mais.
— Você pôde simplesmente se separar dele — Sophie disse, suspirando. — Julia é subordinada dele. Ela não pode fazer nada.
— Eu sinto muito — Hayley disse. — Achei que ele havia melhorado depois de tudo que aconteceu.
— Aparentemente ele apenas piorou, mãe — foi o que Soph disse em lamento.
Logo atrás, sem que elas soubessem, um Nate Farro havia escutado a conversa.
E tudo o que ele fez foi pegar suas chaves e sair de casa mais do que rapidamente.

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