23 de set. de 2012

Capítulo 29

Running, keep running...





Escuridão.
No dicionário é dada com a ausência da luz; não é tangível, nem existente por si mesmo, tendo em vista de que ao ser atingida pela luz, deixa de existir.
Parece simples e, na verdade, é. Se não existe luz, existe escuridão. Apenas isso.
O problema é que existem lugares e situações onde a luz simplesmente não vem. Existem lugares isentos de luz, onde ela não consegue atingir e iluminar, fazendo com que a escuridão, a terrível e amedrontadora escuridão, reine e tome de conta.
E se faltar luz, a escuridão não hesita em fazer seu trabalho, utilizando de todos os seus atributos para deixar tudo mais triste e sombrio, amedrontador e arrepiante. Pessoas tem medo da escuridão por que associam a falta de luz às coisas ruins. E, na verdade, estão certas. Por que enquanto a luz é sinônimo de renovação e limpeza, a escuridão já é associada a tristeza e amargura. Ao medo. A falta de visão. Ao desconhecido.
Aquela noite em especial estava escura. Não havia lua, não havia estrelas. O que iluminava eram os postes da cidade, mas onde Danna estava, não haviam muitos que funcionavam. O governo quase nunca se preocupava com a área carente e mais desafortunada da cidade, e por isso mesmo é que lá que funcionava a maior parte do tráfico de drogas da cidade. Aquele bairro era escuro, assim como a vida das pessoas que o freqüentavam.
Mas a falta de luz não abate apenas lugares como aquele bairro desafortunado de Nashville. A escuridão pode ser avassaladora em vários e vários aspectos. A escuridão pode existir dentro de alguém, por exemplo. Existem pessoas em que a escuridão toma conta do coração. Existem casos onde a pessoa já havia sofrido e se machucado tanto que não conseguia mais imaginar a luz. Ela já estava totalmente inexistente.
E onde falta luz, há escuridão.
De modo que este coração, machucado e ferido, fica totalmente tomado pela escuridão. Pelo medo, pela tristeza, pelo arrependimento, pela falta de esperança, pela amargura, pela culpa, pelo mau.
Era assim que o coração de Danna se encontrava. Exatamente igual àquela noite e aquele bairro. Domado pela escuridão.



A grama não era verde o bastante aqui, depois de te observar com minhas lágrimas. Eu não tenho certeza onde você foi. Agora, nós somos, apenas passado.
As cobras, estão rastejando, me perseguindo até o meu fim. Eu não sei onde ele é.
Estou correndo... de novo.



Lágrimas doloridas ainda escorriam pelo seu rosto quando ela chegou onde queria. Seus pés doíam por ter andado tanto a pé, mas ela não se importava mais. Sua vontade de desaparecer era maior do que qualquer outra coisa.
Danna já não ligava se estava fazendo o certo ou o errado. Sentia um aperto no coração que jamais sentira antes. Dentro de sua cabeça, a voz não parava de falar, arrancando dela mais lágrimas ainda:
Parabéns, burra. Finalmente se mostrou útil para algo, não? Belo trabalho ao destruir a família e o casamento da única pessoa que já te ajudou no mundo todo. Parabéns, imprestável! Parabéns por levar desgraça para todo lugar onde passa! Parabéns por destruir tudo o que toca, idiota! Parabéns, inútil, por arruinar tantas vidas felizes. Parabéns, mesmo.
Danna não se deu ao trabalho de secar as lágrimas quando chegou em frente a boate daquela rua quase não freqüentada por pessoas que, por assim dizer, cumpriam a lei. Haviam dois rapazes na frente da porta iluminada. Notava-se o volume dos revolveres presos na calça de cada um deles, e eles riam por alguma coisa. Ao verem a garota aparentemente frágil, quase estranharam.
— O que deseja, gatinha? — um deles perguntou afinando a voz, como se estivesse falando com uma criança.
— Coca — Danna respondeu baixo, de uma vez, e um dos rapazes riu.
— Tem certeza?
— Se não tivesse, não teria vindo. — Ela respondeu, passando a mão pelo rosto e tirando as lágrimas dos olhos.
Eles riram.
— Nossa! Ok, gata, não precisa ficar com raiva — um dos “seguranças” levantou as mãos. — Se vira aí, então.
Danna colocou as mãos na parede e deixou que um dos caras a revistassem, enquanto um deles via sua bolsa de lado. Certos de que ela não carregava nenhum revólver e nem estava “grampeada”, eles lhe entregaram sua bolsa e abriram a porta da boate repugnante por si só.
— Divirta-se — um deles disse, jogando um beijo para Danna.
Ela entrou rapidamente e passou pelo salão onde uma música mais do que alta tocava. As pessoas dançavam completamente chapadas e pulavam conforme o ritmo da música ruim. Algumas estavam se pegando aos cantos do salão.
Mas não era a boate que Danna procurava.



Oh, quando eu chegar lá, não será longe o bastante. Eu sou uma renegada, está no meu sangue.
Se algum dia eu chegar lá, não será rápido o bastante.
Eu sou uma renegada, eu sempre fui.




Logo ela passou pelo salão e foi diretamente para o corredor da frente, onde havia outro homem armado e várias portas. Danna foi até ele.
— Quero falar com o Owen — ela disse.
— E quem é você? — o homem perguntou.
— Faith — ela respondeu, levantando a cabeça.
— Vem comigo. — O homem disse apenas e saiu corredor afora. Danna o seguiu até a última sala do corredor.
O homem adentrou o lugar e retornou um minuto depois, dizendo que ela podia entrar.
Owen deu um sorriso de canto ao vê-la adentrar a sala. Ele era moreno e tinha sobrancelhas grossas, ombros largos e uma cicatriz na bochecha que havia sido conseqüência de uma briga à facadas.
— Quanto tempo, Faith, querida — ele disse, enquanto uma mulher o acariciava por trás. Notava-se que ela estava chapada. Provavelmente era uma prostituta qualquer. Típico de Owen. — Esteve chorando?
— Não interessa — Danna respondeu, já que não podia aplacar o óbvio. — Preciso de coca.
— Tudo pra você, linda — Owen se levantou, deixando a prostituta no lugar dela.
— Não me venha com conversa, só me arranje e pronto.
— Opa, sem rodeios. Gosto disso em você. — Ele sorriu. — Quanto você tem aí?
Danna abriu sua bolsa e tirou alguns dólares de lá, e também, sua câmera quebrada, junto à um celular.
— Isso.
Owen se aproximou, contou o dinheiro e viu os aparelhos.
— Funcionam?
— O celular sim, a câmera não.
— O que vou fazer com uma câmera quebrada?
— É profissional. Mata e vende as peças boas.
Owen sorriu novamente, olhando aquilo.
— Só por você eu aceito. Faço por vinte pratas. O celular eu passo por cinqüenta. Com mais trezentos dólares... vai querer tudo isso de coca mesmo, querida?
— Obviamente — Danna revirou os olhos.
Owen riu.
— Vai querer embalar pra presente, ou...?
— Para de enrolar, Owen, que inferno! — Danna bufou.
— Ok, ok — ele apenas ria dela. — Vou buscar.
Owen sumiu pelas portas durante alguns minutos e depois voltou com a mercadoria de Danna. Entregou a ela que abriu logo o primeiro pacote, pegando o pequeno tubo que viera junto com ele e cheirando-o ali mesmo, rapidamente.
— Ei, linda, vai com calma! — Owen riu, enquanto Danna soltava um palavrão.
Ela não queria ir com calma. Danna sabia que tinha comprado cocaína demais, e não se importava. Ela havia acabado de destruir a vida do seu pai, a única pessoa que estimava no mundo, a única pessoa que fora capaz de lhe oferecer um pouco de ajuda. Danna era mesmo o que aquela voz irritante e maluca dizia em sua cabeça. Ela era imprestável, inútil, idiota, destruidora. Em toda a sua vida, Danna nunca sentira tanto ódio de si mesma. Nunca se detestara tanto. Nunca havia feito tamanha burrada. Nunca sentiu tanta vontade de morrer.
Por isso, agora, ela estava fazendo o que estava fazendo. Querendo ou não, era a melhor forma de lidar com aquele ódio. Ficar chapada por algumas horas, até ter provavelmente uma overdose e fazer o favor ao mundo de se drogar até morrer.



Bem, a sua faísca nunca acendeu o fogo, embora nós tentamos, e tentamos, e tentamos. O vento veio pelos seus pulmões, um furacão da sua língua.
Vou guardar os seus segredos comigo, bem atrás dos meus dentes. Sua raiva, sua âncora. Mas vou navegar bem mais adiante... Ah, adiante...




Aos poucos o coração de Danna foi ficando acelerado, uma onda de prazer atingiu seu corpo e sua boca começou a salivar. Ela sabia que Owen pouco se importaria se ela continuasse se drogando ali, então não ligava. Cheirava as porções de coca que havia comprado cada vez mais rápido. Logo a tremedeira já fazia com que ela derrubasse boa parte no chão.
— Faith... vai com calma, você quer se matar? — Owen disse e Danna sentiu o sangue subir a cabeça. Tonta, tremendo, sentindo a adrenalina correr nas veias, ela gritou com todo o peito:
— Vai comer sua vadia e me deixa em paz, Owen! Que merda! — ela tremeu mais fortemente, virando-se para a mesa para cheirar o pouco que havia deixado cair.
— Olha aqui — Owen pela primeira vez pareceu com raiva. Agarrou o braço de Danna. — Se você quer se matar, Faith, beleza. Mas não vai ser aqui dentro. Então trata de se mandar.
— Ah, você é um veado, também! — ela gritou novamente, e agarrou o resto da droga. — Vai à merda.
— Se manda.
Danna saiu andando com raiva corredor afora e passou pelo homem armado de cabeça erguida. Pouco se importava se ele tinha um revólver ou não. Ela sentia como se pudesse vencê-lo com as próprias mãos caso ele ficasse com raiva.
Outro efeito da droga. Falta de medo, excesso de sensação de poder.



Oh, quando eu chegar lá, não será longe o bastante. Eu sou uma renegada, está no meu sangue.
Se algum dia eu chegar lá, não será rápido o bastante.
Eu sou uma renegada, eu sempre fui.



Andando enfurecida, logo ela estava de fora da boate nojenta. Os seguranças ainda mexeram com ela, mas ela apenas os xingou segurando a droga contra si.



— Eu não podia arriscar perder você!
— Você sabe que sempre me teve! Eu perdoei tanta coisa naquela época, Josh... uma criança jamais me faria deixar de amar você...
— Eu não podia arriscar! Droga, eu te amava tanto! Eu te amo tanto! Eu não tinha como te contar... eu...
— Preferiu esconder uma vida da sua família, dos teus amigos... dos teus filhos... — Hayley fez uma pausa. — O que ela veio fazer aqui?
— Ela precisava de dinheiro. Não tinha como trabalhar pois sua câmera quebrou, e seria despejada amanhã se não pagasse o aluguel.
— Dinheiro. Onde está a mãe dela? Por que não lhe deu este dinheiro?
— Jenna foi uma péssima mãe. Elas não se falam há mais de três anos.
— E como é que você sabe? — Hayley estava explosiva. — Como você sabe que ela não é igual a mãe?



Danna sentiu as lágrimas saírem de seus olhos ao se lembrar da cena que havia presenciado poucas horas antes. Xingou o nada, sentindo raiva pela droga não ter aplacado suas memórias. Mas ela sabia que nada aplacaria suas memórias agora.
De repente, ela viu Hayley a sua frente. Ela estava com um longo vestido branco, o mesmo que estava em seu casamento. Danna sabia que era o mesmo porque tinha uma foto do casamento dela. Só que agora, a Hayley em sua frente estava com a maquiagem borrada e o vestido sujo. Ela repetia atrocidades para Danna, dizendo que ela era igual à mãe e havia arruinado sua vida. Danna gritou para ela ir embora e fechou os olhos.
Quando os abriu, Hayley não estava mais lá.
Danna já estava delirando por causa da droga.



Vou continuar correndo, vou continuar correndo de novo.
Continuar correndo, vou continuar correndo...
Correndo, correndo... 


Sentindo os pés adormecerem conforme andava, Danna viu que já não conseguiria mais andar por muito tempo. Sentou-se contra uma parede desconhecida. Não tinha a mínima ideia de onde estava e nem ligava, também.
Com o coração martelando contra o peito, ela olhou para a mão e viu os restos de pó que ainda estavam nela. Também haviam mais dois saquinhos de coca.
Danna os consumiu.
Então sentiu a tremedeira ficar cada vez maior, já incontrolável. Sua boca salivava tanto que ela precisava cuspir a cada cinco segundos, e ela não podia mais andar, pois seus pés e mãos estavam dormentes.
E então, jogada num beco qualquer de uma rua criminosa da periferia de Nashville, Danna Elizabeth Rice, a Srta. Faith, não viu o momento em que apagou.


Eu sou uma renegada, está no meu sangue...
Eu sou uma renegada, eu sempre fui.



*****



Sophie abriu os olhos com pesar. Seu corpo doía e ela desejava mais do que tudo dormir um pouco mais.
Mas quando ela viu que não dormia sozinha, tudo veio a tona. E de repente ela perdeu o sono.
Joseph abraçava sua cintura e dividia a coberta com ela. Ele não parecia em paz, entretanto. Apertava a irmã involuntariamente cada vez mais e gemia baixinho. Sophie notou que ele estava com cara de choro, mesmo que estivesse dormindo. Também rangia os dentes.
Estava sonhando.
Sophie se sentou na cama e mexeu levemente com Joe, fazendo-o acordar. Quando ele o fez, gritou. Seu olhar estava vazio e mais triste do que Sophie jamais havia visto.
Então Joe respirou fundo e desatou a chorar.
Ela não pensou duas vezes antes de puxar o irmão para si, fazendo-o apoiar-se em seu ombro e molhá-lo com suas lágrimas sentidas. Sophie apertava Joe contra si, tentando manter a força e a postura. Não podia se deixar chorar ali para ele, pois Joe precisava de algo em que se apoiar. Sophie não podia ser fraca.
Quando a respiração do mais novo se arrumou e ele parou de soluçar, Sophie se separou dele para limpar seu rosto com os próprios polegares.
— Me conta — ela o olhou nos olhos vermelhos e assustados —, o que aconteceu?
Joseph fungou e mordeu o lábio antes de começar a falar.
— Eles estavam brigando — Joe fungou novamente, e as lágrimas começaram a sair de seus olhos. — Estavam brigando de verdade. Eu estava lá e pedia pra eles ficarem normais e se acertarem, mas eles não paravam de gritar, Soph... eles não paravam... é como se eu estivesse invisível... Eu... — Ele não conseguiu terminar e desatou o choro novamente.
Sophie o abraçou de novo até ele se acalmar, novamente. Joe se acalmava com facilidade quando estava sendo abraçado por ela. Era como se aquele abraço o garantisse de que tudo ficaria bem.
Quando ele parou, Sophie o olhou no fundo dos olhos.
— Quer saber o que eu sonhei? — ela perguntou e Joe fez que sim com a cabeça, passando o punho nos olhos. — Sonhei que eu estava num campo, cheio de verde e flores de todas as formas. Estava sol, mas não era nada desconfortável. Também havia um arco-íris no céu. Daí eu encontrava você, e você estava sorrindo daquele jeito que eu gosto, lembra? — Sophie deu um sorriso e mexeu na bochecha do irmão. — Você estava lendo, pra variar. Tinha pego um livro da Meg Cabot da minha estante e estava rindo do que lia, enquanto um bando de borboletas estavam paradas ao seu redor. Então você me chamava e começava a ler em voz alta pra mim. Isso me lembra de que você tem que fazer isso fora do sonho, um dia.
Joe ainda se esforçava para limpar as lágrimas do rosto, e pareceu menos triste do que antes.
— Qual livro da Meg Cabot era?
— Algum sobre vampiros — Sophie deu de ombros e riu. Joe até deu um sorriso, também.
— Você é tão específica. — Ironizou.
— Você me conhece, não é? — Sophie riu e lhe deu um beijo na bochecha. Olhou no fundo dos olhos dele. — Eu disse isso ontem, e digo de novo: não é uma fase fácil pra nenhum de nós. Mas se você estiver aqui tudo vai dar certo. Eu vou estar aqui, também.
Joe se esticou para abraçar a irmã de novo.
— Te amo, Soph. Obrigado. — Ele mexeu em seu cabelo vermelho e Sophie sorriu.
— Sabe que eu te amo também. Vamos encarar essa juntos. — Ela se separou dele. — Agora vai se vestir pra ir pra escola. Já perdemos o primeiro horário e eu vou ter que te deixar lá de carro.
— Não vai dar tempo de comer...
— A gente come um pedaço de bolo na lanchonete. Agora, vai se arrumar.
Joe fez que sim com a cabeça e fungou involuntariamente, saindo da cama da irmã e indo em direção ao banheiro.
Sophie suspirou, levantando-se também. Prendeu o cabelo num coque e checou o relógio. Quase oito da manhã. Teria de entrar no segundo horário no colégio.
Saiu de seu quarto e foi até o quarto de Nate. A cama estava arrumada impecavelmente, e Nate sendo bagunceiro do jeito que era... Bem, claramente ele não havia dormido ali.
Sophie desceu até o porão imediatamente, então. Mas Nate também não estava lá.
Provavelmente já havia ido para a aula. Talvez também não estivesse pregado o olho durante a noite. Pudera, da forma que ele é ligado a Josh.
Sophie amava o pai, sim, amava. Mas sentia um rancor crescer dentro de si enquanto via o que acontecia com todo mundo dentro daquela casa. Querendo ou não, era culpa dele, e Sophie detestava tudo isso. Detestava ver tudo se desestruturando daquela maneira.
Voltando para cima da casa, Sophie procurou o celular para ligar para Nate. Logo o achou e teve uma conversa breve com o irmão, que estava na escola. Na cozinha, duas torradas queimadas e uma tigela de cereal mostrava claramente que Hayley estivera por ali. Era típico se ver algo arruinado e depois, uma tigela de cereal, pois Hayley havia desistido de fazer algo especial e comera o cereal mesmo.
Sophie estranhou o quão normal aquilo pareceu, dada as circunstâncias.
Então ligou para Hayley, também, que logo atendeu.
— Bom dia, Sophie — ela disse, por trás do barulho de telefone por trás.
— Bom dia, mãe. Só estou ligando pra saber se... bem, se tá tudo bem.
— Não se preocupa, amor, estou bem. Só estou com muito trabalho pra fazer, então... — Hayley estava com sua voz de ocupada. Sophie teve a certeza de que ela segurava o celular entre a bochecha e o ombro enquanto fazia outra coisa.
— Ah, tá, certo. Vou levar o Joe pra escola daqui a pouco e vou entrar no segundo horário... acordei tarde. — Sophie achou que deveria dizer o que estava acontecendo mesmo que ela não perguntasse.
— Tudo bem. — Ela disse apenas.
Sophie suspirou, fazendo que não com a cabeça.
— Tá legal, mãe, vou desligar. Tchau.
E então Sophie apertou o ‘end’ no celular, sentando-se contra o balcão da cozinha. Passou as mãos pelos olhos, refletindo sobre as ligações. Hayley estava com a voz limpa, falando com a maior naturalidade, como se nada houvesse acontecido. Nate, nem tanto. Mas também tentava fingir que estava bem, quando claramente não estava, isolando-se dela.
Sophie pensou em ligar para Josh, mas viu que aquilo não tinha fundamento. Precisava de um pouco mais de tempo para falar com o pai.
Então ela se levantou e respirou fundo, indo direto para o banheiro. Ela estava precisando de um bom banho morno, para acalmar seus ânimos.
Ou pelo menos tentar.


[...]


“Aff, química. Me ajude a não falecer nesta aula, por favor. Dormiu bem?”


Nate encarou o celular a sua frente e deu um meio sorriso. Graças a Deus tinha se sentado no fundo da sala e nenhum professor veria se ele respondesse àquela mensagem. Ainda mais por causa do moletom enorme que ele havia posto.


“Estou tendo sociologia. E, na verdade... não. Aconteceram umas coisas.”


Nate lembrou-se de que não havia ligado para Julia à noite como havia prometido. Pudera, com todos os acontecimentos que ocorreram. Nate não estava com cabeça para quase nada e não queria falar com ninguém, também.
Tudo o que precisava era esvaziar a cabeça. Então ele foi lutar. Até as duas da manhã.
Não demorou muito para o celular em suas mãos vibrar novamente.



“Ai, meu Deus. O que aconteceu?”


Nate encarou o telefone por um tempo, pensando se digitaria tudo ali em poucas palavras. Não seria difícil, na verdade. Meu pai tem uma filha fora do casamento e minha mãe botou ele para fora de casa. Poucas palavras diriam sua situação, querendo ou não. Mas ao invés disso, ele digitou:



“Um problema lá em casa. É tipo, muito grave. Não dá pra falar por sms.”



Achou que assim era melhor. Não adiantaria ele digitar aquilo e assustar Julia no meio de uma aula chata de química. Ele explicaria tudo melhor quando tivesse tempo. Sabia que ela o escutaria e ajudaria.
Ela era incrível, afinal.



“Oh... problemas com a sua mãe?”



Nate teve de respirar fundo antes de responder:


“Na verdade é com o meu pai.”



Foi aí que o sinal que indicava a troca de turmas dos alunos tocou. Nate teve de esperar a maior parte dos alunos saírem para colocar sua mochila nas costas e com dificuldade se levantar da cadeira. Suas mãos, antebraços, coxas e pernas doíam. Ele não havia feito alongamento e treinara durante sete horas seguidas, e ainda não conseguira conciliar o sono depois disso. Não o surpreenderia se tivesse distendido algum músculo, afinal, eles doíam a qualquer simples contração.
Mas mesmo assim, Nate não deixava sua dor transparecer. Tanto a muscular quanto a emocional.
Oras, ele tinha de admitir. A situação com o seu pai foi um baque para ele. Nate nunca se sentira tão desanimado na vida, nunca mesmo. Doía ter de trocar mensagens com Julia quando ele sabia que ela não estaria mais com ele dentro de poucos dias. Doía saber que seu pai e sua mãe provavelmente iriam se separar. Doía saber que seus irmãos estavam sofrendo por isso, tanto quanto ele. Sua vida estava se desestruturando aos poucos e Nate não sabia o que fazer.
Quando finalmente saiu da sala, Julia estava lá. Estava na porta da sala com uma face preocupada. Assim que avistou Nate, ela foi até ele e pegou sua mão. Nate percebeu pela forma que seu dedo indicador bateu exatamente no meio da palma da mão que ela queria guiá-lo.
Conhecia-a de tal forma que sabia distinguir suas formas de pegar sua mão. Teve de sorrir por conta disso.
Ela começou a arrastá-lo para longe dos armários e mais ainda das salas de aula. Quando saiu da multidão que tentava trocar de sala, eles já estavam quase perto do ginásio.
E foi lá mesmo que Julia parou de apertar sua mão. Quando eles já estavam lá dentro, isentos de qualquer barulho do colégio, ela o puxou para um abraço apertado. Nate se sentiu bem com aquilo.
Mesmo que Julia fosse um bocado pequena, a forma como seus braços passavam pelos ombros dele, o jeito que ela pousava seu queixo perto de seu pescoço, ou o modo que as vezes ela mexia nos seus cabelos que agora estavam particularmente grandes o fazia se sentir de uma forma que ele nunca se sentira com qualquer outra pessoa. E nunca iria sentir, ele sabia. Sabia que o que sentia com Julia era único e ninguém jamais o faria se sentir daquela forma.
Naquele momento Nate pediu pela primeira vez na vida que não errasse com Julia. Ele a amava tanto que mal podia suportar, e tinha quase certeza de que seu pai sentia o mesmo com sua mãe. Mas ele havia errado, e muito, com ela. Sua mãe sofria tanto...
Nate percebeu que doeria mais do que tudo nele ver Julia sofrendo o que Hayley sofria. Viu que queria fazer de tudo para que ela estivesse sempre feliz. Desejou que jamais errasse em sua vida para com Julia. Desejou de verdade.
Lembrou-se então de que ela estava indo embora dali a poucos dias. Ainda em silêncio, pediu à Deus para que ele pudesse reencontrá-la e dar-lhe a felicidade que ela merecia. E Nate sentia em seu interior que isso aconteceria. Por que seu coração era dela.
Ainda envolto pela paz e tranqüilidade que o abraço de Julia o proporcionava, ela se separou dele e o fez se sentar. Olhou-o profundamente antes de perguntar:
— O que aconteceu? — ela sentou-se em frente a ele.
Nate suspirou.
— Ontem minha mãe chegou em casa chorando — ele decidiu começar do começo, afinal. — Meu pai estava logo atrás dela. Ela o mandou contar alguma coisa pra gente e depois subiu correndo pro quarto dela. Ela estava com muita raiva. Nunca tinha visto ela daquele jeito... — Nate encarou suas próprias mãos. — Então meu pai começou a contar o que minha mãe tinha dito para ele contar. No básico... ele tem uma filha de vinte e um anos que ninguém sabia da existência. Ninguém além dele, claro.
— Meu Deus! — Julia colocou a mão na frente da boca, em total espanto. Ficou pálida no mesmo instante, como se o sangue tivesse fugido de seu rosto. — Eu... eu... não tinha ideia! — Julia conseguiu finalmente formular uma frase. Era apenas... difícil de acreditar.
— Ninguém tinha — Nate suspirou. — Ninguém esperava por isso. Nem minha mãe, nem Soph, nem Joe... nem eu. — As cenas de Joe gritando e das palavras de Sophie contra Josh, de Hayley deixando as malas para Josh ir embora, passaram pela sua cabeça. Ele sentiu vontade de chorar. Mas não o fez. — Quando ele terminou de contar eu... não acreditei. Fiquei pasmo, imóvel, sem fazer nada. Joe começou a chorar e deu um ataque, gritou e subiu para o quarto dele. Sophie também gritou com o meu pai e falou um monte, e quando o Joe subiu ela foi com ele. Minha mãe fez as malas do meu pai e colocou ele pra fora de casa, mesmo que estivesse chorando e mais abatida do que eu já vi na vida. Então, eu... ajudei meu pai a levar as malas dele pro carro e pedi pra ele me ligar. Disse pra ele que não era o fim. — Nate se lembrou do quão Josh parecia desorientado naquele momento. — Passei mais da metade da noite treinando e depois não consegui dormir. Tô dolorido por isso. Sophie ficou conversando com Joe e ele dormiu na cama dela, e pelo que ela me contou, ele teve um pesadelo e tá chorando desde ontem. Minha mãe falou comigo um pouco antes de sair e ela parecia completamente... normal. Totalmente impecável, não parecia que tinha chorado durante cinco horas seguidas. Mas ela tinha. Eu sei que tinha.
Julia segurou as duas mãos de Nate, fazendo-o olhar para ela. Aquele olhar dela não precisava dizer nada. Ela não precisava dizer nada. Apenas aquele olhar já o fazia acreditar que tudo estava bem, naquele momento.
Então Julia se inclinou novamente, abraçando-o. Nate suspeitava que ela não sabia do poder que seu abraço tinha. Talvez não soubesse mesmo. Muito provavelmente ela não tinha ideia do quão bem aquele abraço fazia a ele.
Provavelmente ela não sabia o quanto aquele abraço faria falta.
— Eu sei que deveria te dizer algo agora — ela começou a falar quando ainda estavam abraçados. — Mas você sabe que eu sou uma péssima conselheira e mal dou pro gasto como namorada — ela fez uma pequena piada e Nate discordou baixinho, com um sorriso no rosto, apertando sua cintura. — De qualquer forma, eu sei que tudo isso é difícil pra você e pros seus irmãos. Também passo por problemas familiares, você sabe. Mas você é forte, Nate, e é uma das melhores pessoas que eu já conheci. Você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, e... Bem, tudo vai se acertar. Pode não ser hoje, nem amanhã, mas o tempo dá o seu jeito. Ele sempre dá. Eu garanto.
— Isso é por que você não sabe falar? — Nate ironizou e ela riu, apertando os braços contra seus ombros. — Obrigado. Eu amo você.
— Eu também amo você — Julia sussurrou. — Para sempre.
— Para sempre — ele repetiu, suspirando.
Ficaram por algum tempo ainda daquele jeito. Abraçados, sentindo a respiração no pescoço, o coração batendo perto um do outro. Aproveitando tudo o que aquele abraço lhes proporcionava. Sentiam-se bem assim.
E eles sabiam o que queriam dizer com o para sempre. Mesmo que Julia fosse para a Inglaterra, aquilo continuaria com eles. Aquela sensação, aquela paz, aquele amor... era eterno.
— Certo — Julia se separou dele e arrumou a mochila nas costas, levantando-se —, vamos.
— Pra onde? — Nate ergueu uma sobrancelha.
— Sair — ela deu um meio sorriso. — Não vou deixar você voltar pra essa escola chata. Vamos espairecer um pouco.
Nate deu um sorriso — dessa vez, de verdade — antes de colocar a mochila nos ombros e segurar a mão da namorada, indo em direção a porta para eles matarem o resto das aulas.



[...]



“Levei Nate pra matar o resto das aulas. Ele me contou o que aconteceu :( depois conversamos, ok?
Te amo.
Juzy.”



O intervalo havia acabado de começar quando Sophie recebeu o sms. Agradeceu mentalmente Julia por estar com Nate. Apenas ela sabia lidar com ele em uma situação como essas.
E pela milésima vez Sophie lamentou o fato de Julia estar indo para Londres. Queria tanto, precisava tanto de sua amiga consigo. Para Nate, para a própria Sophie, Julia era essencial. E mesmo assim estava indo.
Suspirou antes de seguir de vez para o refeitório. Jenny havia faltado e ela estava sozinha na turma. Procurou seus conhecidos, mas só viu Dan e Luke conversando num canto. Decidiu seguir para lá depois de pegar seu lanche.
Conversar sobre a banda seria legal, para espairecer.
— Prima! — Sophie virou o rosto e viu Marie se esquivando de dois garotos, enquanto gritava-a. Quando chegou perto de Sophie, ela lhe abraçou. — Soube o que houve.
— Pois é — Sophie torceu os lábios. — Meu pai tá dormindo na sua casa, né?
— Está — Marie umedeceu os lábios, indo para a fila para comprar o lanche com Sophie. — Mas e você, Soph... tá tudo bem?
— Tudo... não — ela deu um meio sorriso sem graça. — Mas não se preocupa comigo. Meu pai tá bem?
— Mais ou menos... ele ficou conversando com o meu pai por quase duas horas...
— Sei... Diz pra ele ligar pro Joe quando puder, por favor? — Sophie pediu.
— Aham, eu digo... — Marie suspirou. — Eu sinto muito por isso. A história ainda me parece meio... inacreditável.
— É, parece mesmo.
— E quando você vai... sabe, conhecê-la? — Marie quase se arrependeu de ter perguntado aquilo.
— Não sei e nem quero saber — Sophie respondeu de imediato. — Tento não pensar nessa garota por enquanto. Tenho bastante coisa com o que me preocupar.
Aquela foi a frase que decretou fim de assunto. Marie e Sophie conversaram sobre outras coisas banais enquanto esperavam para pegar seu lanche.
Demorou um bocado para o lanche sair, por isso ela não teve muito tempo para conversar com os meninos durante o intervalo. Apenas Dan ressaltou que eles teriam ensaio no dia seguinte, e isso foi tudo de aproveitável que saiu da hora do intervalo. Sophie de certa forma até preferia assim. Não estava sorrindo como sempre e nem estava com tanta vontade das palhaçadas dos amigos. Não era hora.
Também havia prometido uma carona para Luke, assim que terminou de comer. Os maquinistas de metrô estavam de greve e para ele não pegar um ônibus, pediu carona para Sophie, que tranquilamente disse que não teria problema. E não teria mesmo. Dirigir um pouco mais que o normal podia fazê-la bem.
Acabado o intervalo, as três últimas aulas pareceram demorar dias. Passavam devagar e tediosas. Sophie não conseguia absorver nenhum conteúdo que lhe foi passado nas aulas. Copiou tudo no caderno no automático e foi isso. Não conseguia se concentrar de verdade nas matérias monótonas e chatas do colégio.
Mas ela tinha motivos.
Ao fim da aula ela jogou tudo o que pôde de qualquer jeito no armário e pegou as chaves do carro, tomando o caminho para o estacionamento. Iria buscar Joe na escola, agora, e levá-lo para almoçar. Talvez fosse com ele em alguma livraria ou em algum lugar que ele gostasse de ir. Quem sabe ao cinema. Mas ela precisava entretê-lo de qualquer maneira.
Quando Sophie chegou ao estacionamento ela logo seguiu para o seu carro, mas alguém estava recostado nele. Pela silhueta esbelta e os cabelos despojados, seguidos dos olhos azuis penetrantes, não poderia ser outra pessoa.
Desligou o alarme do carro, fazendo-o apitar, e Luke levou um pequeno susto. Deu um pulo para frente e depois sorriu, provavelmente tirando sarro de si próprio.
— Você me assustou, sabia? — foi o que ele disse assim que Sophie se aproximou.
— Essa foi a intenção — ela deu uma risadinha pequena, e ele retribuiu.
Os dois entraram dentro do carro e Sophie girou a chave, dando a partida.
— Posso dirigir? — Luke perguntou, esperançoso, enquanto colocava o cinto de segurança.
— De jeito nenhum.
— Por favor?
— Não! — Sophie começou a manobrar o carro.
— Um dia você ainda vai me deixar dirigir. — Luke jogou sua mochila no banco de trás.
— Esse dia não é hoje. — Sophie deu um sorriso que logo se aliviou enquanto pegava a estrada de verdade.
Luke mexeu no DVD-player do carro e sintonizou numa rádio qualquer, enquanto Sophie se concentrava na estrada para ir até a gravadora de Jeremy.
— Você não odeia essa música? — Luke perguntou, parando em uma rádio local de música country terrível.
— Odeio muito — Sophie respondeu, trocando de marcha para fazer uma curva.
— Ah. — Luke deu um sorriso de canto e aumentou o volume, cantando o country junto.
Sophie revirou os olhos e riu, desligando o rádio com uma das mãos.
— Irritante. — Ela murmurou.
Luke deu uma risada e virou-se para olhá-la. Ela sorria por conta do xingamento que havia diferido a Luke, mas seu sorriso rapidamente foi aliviando de sua face. Seu olhar ficou vazio, encarando a estrada à sua frente.
— Você tá bem? — Luke perguntou, mesmo que já soubesse que não. Sophie passara o dia todo estranha e ele sabia disso.
— É... Sim.
— Você não precisa mentir pra mim, sabe — Luke continuava encarando-a. — Te conheço há tempo demais pra saber quando você mente e quando fala a verdade.
Sophie respirou fundo.
— Eu sei — ela tencionou as mãos no volante.
— Não precisa me contar se não quiser.
— Você vai saber de qualquer forma — ela fez uma pequena pausa antes de continuar. — Meu pai tem uma filha, Luke. Uma filha além de mim, fora do casamento. Ela tem 21 anos, e ninguém sabia que ela existia.
— O quê? — Luke arregalou os olhos.
— Também não acreditei. — Sophie suspirou. — Mas é verdade. Meu pai escondeu uma menina durante todos esses anos de todo mundo.
— Caramba! — Luke ainda estava com os olhos arregalados, completamente incrédulo.
Sophie continuou:
— Ontem minha mãe descobriu isso e chegou em casa chorando, então meu pai contou pra mim e pros meus irmãos. Ela colocou meu pai pra fora de casa, e... — Sophie sentiu sua garganta se fechar. Teve de fazer uma pequena força para não chorar. — Tá sendo difícil.
Luke precisou de uns instantes para assimilar tudo o que havia escutado. Josh? Tio Josh tinha uma outra filha, fora do casamento?
Aquilo era um absurdo!
— Eu... não sei o que dizer — Luke encarou suas próprias mãos.
— Ninguém sabe — Sophie torceu os lábios. — Tá tudo certo, estamos chegando.
E realmente estavam. Não demorou dois minutos e ela estacionou na frente do prédio onde Luke trabalhava. Ele abriu a porta, mas desistiu de fechar. Ao invés disso, recostou-se nela e olhou diretamente para Sophie.
— Você se lembra de quando éramos pequenos? — ele perguntou e Sophie ficou confusa. — Uma das coisas em que acreditávamos era no destino, lembra? Então... bem, eu sei que não está tudo como a gente planejou, como você planejou, mas... Se está acontecendo certamente tem um porquê. Acreditávamos nisso, não é? — Sophie, pega de surpresa com aquelas palavras de Luke, apenas meneou que sim com a cabeça. Luke sorriu de uma forma que a fez se perder por alguns segundos, despertando novamente nela a vontade de chorar. — Não deixe de acreditar, Soph.
Sophie engoliu seco e, novamente, fez que sim com a cabeça num gesto nervoso.
— Obrigada — murmurou.
Luke sorriu novamente.
— E se quer um conselho... Quando eu estou... você sabe, “carregado de sentimentos”... — ele fez aspas com as mãos — ...eu geralmente componho. Pode te fazer bem.
— Obrigada. Vou tentar. — Sophie continuou olhando para ele enquanto ele sorria.
Ele pegou sua mochila e fechou a porta do carro, indo para dentro do prédio logo depois.
Sophie passou uma mão pelo rosto, suspirando. Não sabia como Luke conseguia ser tão idiota e tão sábio às vezes. Aquilo era extremamente confuso.
Sintonizando outra rádio — uma que tocava uma música do Marilyn Manson, no momento —, ela seguiu para a escola de Joe. As músicas da rádio que escutava eram mais pesadas e Sophie gostava daquilo. Não tinham letras profundas faria com que ela se lembrasse de Josh, ou de tudo o que estava acontecendo. Apenas escutava o rock e se concentrava em viajar na música.
Logo ela chegou à escola primária de Joe. Havia parado o carro em frente à escola, onde crianças já saíam para todos os lados. Sophie saiu do carro e se recostou nele, esperando Joe sair correndo como sempre fazia e correr para o carro.
Mas conforme as crianças saíam, Joe não dava as caras. Sophie decidiu então entrar dentro do colégio. Não conseguia esperá-lo.
Perguntou onde ficava a quinta série ao guarda e ele lhe informou. Seguiu direto para lá.
Quando chegou, todas as crianças ainda estavam na sala. A professora estava lhes dando uma bronca enquanto eles mantinham a cabeça baixa. Quando viu Sophie, a professora disse aos alunos para se manterem quietos pois eles teriam mais cinco minutos dentro de sala por terem bagunçado tanto. Então ela foi até a porta para falar com Sophie. Fechou-a por trás.
— Você é irmã do Joseph? — foi o que a professora disse assim que a viu.
— Sim.
— Ah, eu queria mesmo falar com os pais dele...
— Pode falar comigo mesmo — Sophie colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. — O que houve?
A professora deu um suspiro preocupado.
— Joseph não está bem — ela disse. — Passei a manhã inteira preocupada com ele. Ele sempre é um aluno exemplar, participativo, apesar de gostar muito de aprontar e falar paralelamente. Mas ele está sempre cheio energia. O que me preocupou é que hoje ele se sentou na última cadeira da última fileira a aula toda e não copiou nem sequer uma tarefa. Quando seus amigos o chamaram para brincar no intervalo, ele disse que queria ficar sozinho. Quando o chamei para conversar, ele apenas me disse que queria ficar sozinho. E tem dito isso para todo mundo. — A professora respirou fundo. — Ele está passando por problemas em casa?
Sophie passou uma mão pela testa.
— Na verdade... nossos pais estão se separando.
— Ah — pareceu que a professora entendeu tudo de repente. — Bem, eu... estou realmente preocupada com Joseph. Ele é um dos melhores alunos e, de repente, perdeu o ânimo para tudo. Posso estar me precipitando, mas... Isso está com sintomas de depressão.
— Depressão? — Sophie torceu os lábios.
— Sim. Minha sobrinha ficou depressiva por um tempo, por sofrer bullying dos colegas. — A professora foi explicando. — E ela estava exatamente como Joseph está agora. Procurei saber se ele sofria bullying de algum dos garotos daqui, mas soube que isso não acontece com ele. Então... fiquei ainda mais preocupada. Como eu disse, Joseph é um ótimo aluno e tem um futuro brilhante.
Sophie fez que sim com a cabeça.
— Sim, ele tem — ela suspirou. — Mas... está tudo muito recente. Aconteceu ontem mesmo. Então a Sra. não precisa contar com que isso vire rotina. Será só por alguns dias...
— Entendo. — A professora fez que sim com a cabeça.
Ela abriu a porta da sala dos alunos que levantaram a cabeça rapidamente.
— Podem sair. E quero o dever de casa para amanhã, certo?!
Sophie pôde escutar o coro dos alunos dizendo que sim, conforme se levantavam e saíam correndo da pequena sala. Não demorou nada e a maioria já tinha ido embora.
Então a professora se virou para Sophie novamente.
— Ele ainda está lá no fundo.
— Posso ir falar com ele? — Sophie enfiou as mãos no bolso da calça.
— Claro. Se precisar de mim, estarei na sala dos professores.
— Certo, obrigada — Sophie agradeceu a professora que já se retirara dali.
Entrou dentro da sala decorada com emborrachado e cartolina colorida, seguindo para o canto esquerdo dela. Joe procurava arrumar os cadernos dentro da mochila.
— Ei, Joe — Sophie se aproximou com um sorriso no rosto. Os traços faciais de Joe se aliviaram, mas não o suficiente para ele fazer um sorriso.
Sophie puxou seu braço e lhe deu um abraço quando chegou mais perto. Afagou seus cabelos e deixou que as mãozinhas dele passassem pelo cabelo dela também.
Então Sophie cutucou sua cintura com um dedo, fazendo-o pular de cócegas e dar um sorriso. Ela sorriu também, mexendo nos seus cachos loiros malfeitos.
— Aprendeu muita coisa hoje? — ela perguntou.
Joe fez que não com a cabeça.
— Não consegui prestar atenção na aula. Meus amigos e a Sra. Kyle tentaram conversar comigo, mas... eu só queria ficar sozinho — ele explicou e Sophie concordou com a cabeça.
— Entendo. Mas amanhã você já consegue entender tudo de novo. — Sophie tentou não fazer muito caso com aquilo. — Posso te contar um segredo?
— Aham.
— Nate matou cinco aulas. — Ela riu e Joe riu também, colocando sua mochila nos ombros largos. — O que acha de comermos um BigMac? Está com fome?
— Pode ser — Joe torceu os lábios e se levantou.
— Tá legal — Sophie concordou e pegou a mão dele, guiando-o pela escola até seu carro.
Estava tentando de tudo para fazer com que Joe se distraísse daquilo tudo. Mas ela sabia que a tristeza dentro do irmãozinho era bem maior do que qualquer distração. Não só dentro dele, afinal.
Sophie sabia que dentro de Nate também havia uma enorme tristeza. Também havia tristeza dentro dela própria.
Então, em pensamento, ela desejou mais do que toda aquela tristeza não tardasse a terminar.

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